segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

PALAVRAS QUE RESUMEM

Vou postar aqui algumas palavras-chave ou linha de pensamento acerca dos autores até então abordados acerca da mídia e dos Estudos Culturais.

VISÃO DE MÍDIA
MUNIZ SODRÉ: “ambiência” - Tudo é cada vez menos substancial e mais visual, mutação tecnológica
SILVESTONE: É um processo, onde as pessoas se congregam. É político e econômico.
BARBERO: Midiacentrismo, cultura socio-antropológica, crítica ao funcionalismo e deslocamento às mediações.
KELLNER: Mídia na formação da identidade, crítica à Escola de Frankfurt

VISÃO DE CULTURA
BARBERO: cultura antropologizada, manifestações da massa
SILVERSTONE: Textura geral da experiência, sociedade ligada à mídia
MUNIZ SODRÉ: Midiatização, indivíduos inseridos no quarto bios, semiótica indicial
KELLNER: Identidades construídas, dominação ideológica, resistência, Materialismo Cultural

CONSUMO
KELLNER: Entretenimento é o principal produto, infoentretenimento
SILVERSTONE: Produtos simbólicos que formam identidade

IDENTIDADE
KELLNER: Contracultura (Spike Lee, Ice T), Madonna e Miami Vice (identidade pós-modernista instável)

MÍDIA E RECEPÇÃO
BRAGA: a crítica social da mídia (conversas informais, academia, ombudsman, carta dos leitores), a aprendizagem ofertada a partir destas intervenções (aperfeiçoamento dos produtos midiáticos), o controle social e a ação social com base no sistema de resposta (terceiro ponto, além de emissão e recepção).

TICS E SOCIEDADE
MIÈGE: Enraizamento, Sociedade Midiatizada pelas técnicas, sete processos, comunicação/informação (sociedade midiatizada)

SOCIEDADE
MIÈGE: Sociedade midiatizada pelas técnicas
BRAGA: reação social da mídia, visibilidade dos processos sociais

MEDIAÇÃO
MUNIZ SODRÉ: conteúdo circulante em ambiente virtual
SILVESTONE: Circulação de significados, molda ações e reações
BARBERO: Deslocamento para cultura, observar aspectos da recepção
KELLNER: Produção simbólica via entretenimento.
MIÈGE: existe nas sociedades há muito tempo nos âmbitos cultural, social, político e jurídico (p.3), ligação da sociedade com novas tecnologias (determina as mudanças e as demandas)

MIDIATIZAÇÃO
MIÈGE: comunicação/informação, expansão técnica
MUNIZ SODRÉ: interatividade absoluta e conectividade permanente, quarto bios

ENRAIZAMENTO DE MIÈGE
A sociedade determina o desenvolvimento técnico e este desenvolvimento é constantemente melhorado também por uma ação social



terça-feira, 2 de novembro de 2010

O TECNODETERMINISMO PREGNANTE

Na leitura do livro de Miège, “A Sociedade tecida pela comunicação”, percebe-se que o autor inicia fazendo uma abordagem técnico-social das Tics. Expõe que as técnicas não surgiram para a mídia, mas que que fazem parte de uma gama social que compreende todos os âmbitos. Também mostra que os estudos da comunicação dedicaram reduzida atenção às técnicas de comunicação-informação, enfatizando atualmente questões sócio-simbólicas promovidas pelos meios. Miège cita, como exemplo, as pesquisas relacionadas à televisão, que inicialmente caminhou-se pela técnica e suas características afins, perdurando por vários anos.
O tecnodeterminismo baseia-se na difusão das técnicas em todos os campos sociais. Miège mostra que o técnico e social são inseparáveis, o que leva a observação de José Luiz Braga acerca das demandas sociais que impulsionam o progresso tecnológico. Miège suscita uma reflexão: “Antes de tentarmos situar o técnico, é interessante paramos para refletir sobre a onipresença dos discursos técnicos” (p. 26)

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CONEXÃO DAS TICS E OS SETE PROCESSOS DE MIÈGE

Fazer uma conexão entre desenvolvimento técnico e práticas sociais é a base dos estudos de Miège. Esta relação está atrelada diretamente com o aparecimento das Tics, as tecnologias de informação e comunicação. Tal relacionamento era pouco analisado pelos estudos da comunicação, que limitava-se a compreender uma transformação social a partir da midiatização, não a partir de seus instrumentos tecnológicos enraizados nesta sociedade. Por isso, Miège esclarece que é preciso medidas profiláticas na abordagem de novas ferramentas de Tic, visto que é necessário observar sua acomodação social e de que forma se processará o enraizamento.
Está claro, como Miège aponta que Tic é tudo aquilo que coloca o indivíduo em comunicação, notadamente as ferramentas e os desdobramentos em torno delas, como o caso da telefonia e, subsequentemente, a internet; a internet e, em seguida, os dispositivos móveis de conexão, como os smartphones e os tablets. A definição da Tic sinaliza para a observação dos processos de mediação e enraizamento social, base também das análises do autor.
Uma forma de mediação é a ligação entre a sociedade e as novas tecnologias. Braga mostra que as demandas sociais é que proporcionam o avanço tecnológico e não o contrário, como se a tecnologia regesse as práticas da sociedade. Este diálogo coadnua com o pensamento de Miège: a sociedade determina o desenvolvimento técnico e este desenvolvimento é constantemente melhorado também por uma ação social. Isto é o que caracteriza a mediação e o enraizamento social.
Este contínuo desenvolvimento da sociedade e das tecnologias de informação leva Miège a apontar sete processos de enraizamento, seegundo aponta Gambaro (2009, p.6) no artigo “O uso das novas TICs pelas emissoras de rádio: uma análise dos casos paulistanos e o referencial de Bernard Miège”:

1) A informacionalização, ou seja, o aumento na oferta de informações, tanto daquelas editadas por profissionais no âmbito das empresas de comunicação, como aquelas produzidas por leigos ou de caráter técnico, que outrora seria principalmente de circulação restrita. A esse processo podemos ligar, por exemplo, o uso de ferramentas como blogs e fóruns.

2) A mediatização da comunicação, que responde pela maior presença de tecnologia nas relações de comunicação (como os e-mails, os jornais na internet, o rádio via web, etc). No entanto, isso não significa que modos anteriores de comunicação, foram ou estão em vias de serem substituídos: na verdade, as tecnologias se somam àquelas já existentes, com alguma adaptação da audiência. O mais relevante é que o processo de mediatização implica diretamente em uma aquisição de competências comunicacionais pelos usuários, e tais competências são conquistadas com os usos, cada vez mais individualizados.

3) Ampliação da esfera midiática; esse processo considera a concorrência que os meios de comunicação de massa enfrentam com os serviços originados a partir da novas TICs, o que resulta diretamente numa pluralidade de dispositivos pelos quais os meios de comunicação distribuem seus conteúdos. Existem nesse contexto dois fatos importantes: os portais de internet ganham maior importância e complexidade, e de certa forma os consumidores esperam que os novos meios se distingam dos anteriores, indo além da comunicação quase unidirecional para práticas mediáticas menos dirigidas e mais interativas. É importante notar que não ocorre substituição dos meios de comunicação de massa pelos serviços de acesso individual a informação.

4) Mercantilização das atividades comunicacionais, ou seja, abre-se a possibilidade de um mercado que pode cobrar do usuário final por práticas de comunicação que, dada em outra esfera distante de certas modalidades tecnológicas seriam gratuitas.

5) A generalização das relações públicas surge com a aproximação dos recurso tecnológicos nos diferentes estratos profissionais, de forma que os departamentos de relações públicas das empresas não ficaram de fora, sendo alçados aos status de produtores de conhecimento (e informação) com credibilidade reconhecida.

6) A diferenciação das práticas sociais; ao definir este processo, Miège indica que as práticas originadas com os usos sociais das novas TICs não significam o abandono de práticas anteriores, possíveis dentro de outras tecnologias. As práticas sociais botam em movimento todo um sistema de identificação sócio-simbólico que torna possível diferenciar social e culturalmente, por exemplo, a audição do rádio no carro, indo ao trabalho, e de um programa acessado via podcast. Outro ponto importante a ser considerado é que as tecnologias não vão reordenar as coisas: continua havendo diferenças nos acessos às tecnologias como há diferenças nos usos, pois existe uma estratificação no acesso que não é tão facilmente rompida. Essa estratificação não corresponde somente aos jogos entre indivíduos economicamente distintos, como também às diferentes gerações de pessoas e os usos dados às tecnologias: se os chats e sites de perfis podem servir como desvios sociais para os mais jovens, as pessoas de mais idade tendem a fazer deles um uso mais próximo das práticas cotidianas.

7) A circulação dos fluxos e a transnacionalização das atividades infocomunicacionais; o que indica uma interdependência entre a globalização e as TICs.

PENSAMENTO DE MIÈGE: COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA


É importante considerar o pensamento do teórico francês Bernard Miège (foto), no que refere-se à relação entre comunicação e tecnologia, sobretudo no século XXI, quando vê a formação de uma sociedade midiatizada, ambientada num universo digital, que como Muniz Sodré esclarece trata-se de uma nova vivência social, proporcionada pelos avanços tecnológicos. As chamadas Tics (Tecnologias digitais de Informação e Comunicação) consolidam e reforçam este aspecto social, sob aspecto de produção, consumo e interrelacionamento entre os indivíduos. Com o incremento das Tics, a própria designação da sociedade da informação ficou mais ampla, abarcando características da modernidade. E para comprrender a visão de Miège sobre esta nova sociedade no campo da comunicação, é preciso considerar: a informacionalização; a promoção das tecnologias e das redes como fator dominante ao conteúdo; a modificação e a expansão dos sistemas midiáticos; e o controle transnacional do fluxo de informação e comunicação.
Estes pontos foram citados na entrevista que Miège concedeu a revista Matrizes, da Usp. O autor mostra que a comunicação moderna não engloba apenas a comunicação pessoal, mas observa o que ele conceituou como “comunicação/informação”, a partir da observação de uma sociedade midiatizada iniciada em meados do século passado. O conceito de comunicação/informação está associada a uma articulação entre os dois, que supera a visão ideológica ou de manipulação da comunicação, mas vê também que a informação é meio de interação entre os atores sociais. As Tics reforçam esta relação, impregnando-se na sociedade e no avanço ao longo do tempo. É o que Miége trata de "dupla mediação", em que a mediação é ao mesmo tempo técnica e, ao mesmo tempo, social. (p. 46 do livro A Sociedade tecida pela comunicação).
A princípio tenho percebido uma relação de visão também técnica da comunicação que me remete à Shannon e Weaver, na primeira metade do século XX e a Teoria da Informação, que observou uma teia comunicacional iniciada no emissor até o receptor, observando a produção sob um canal e distorções como efeitos de ruído. Nota-se uma relação com as novas Tics, visto que como a Teoria da Informação destaca relação com os campos sociais a partir das técnicas físicas de transmissão de dados, vê-se atualmente algo bem mais maturado, onde as técnicas estão inseridas como extensão desta sociedade midiatizada.
Miège deixa isso bem evidente ao fazer uma comparação entre a atual comunicação midiatizada e a mediação cultural proporcionada pela mídia. Esclarece que o “fenômeno da mediação existe nas sociedades há muito tempo nos âmbitos cultural, social, político e jurídico” (p.3), e que, portanto, a comunicação/informação refere-se a midiatização.

“Miège propõe o termo «comunicação midiatizada» para introduzir o papel das TICs nos processos de comunicação, não como um elemento redutor de oposição entre as mídias de massa (consideradas bastante diretivas em seu discurso e unidirecionais) e as mídias digitais (onde as TICs possibilitam a emergência da self media). A comunicação midiatizada é muito mais ampla e complexa, configurando novos sistemas de comunicação nos quais os principais atores são não apenas os grandes conglomerados comunicacionais, os construtores materiais e o Estado, mas também as diferentes categorias de usuários considerados como atores estratégicos desse novo processo”

A expansão técnica, de equipamentos neste processo de midiatização, leva a novas práticas sociais. A produção de conteúdo deixa de ser uma atribuição tão somente dos grandes conglomerados de mídia, por serem detentores da tecnologia antes inacessível ao público em geral. As Tics possibilitaram que mais indivíduos pudessem produzir conteúdo e de serem vistos. Importante citar também que as técnicas que tornaram possíveis a produção de conteúdo também oferecem uma gama de possibilitade de aquisição de informação. E nunca houve tanto acesso à informação na ambiência digital de uma sociedade midiatizada, que supera a simples contemplação da realidade mostrada pelos meios de comunicação e passa a inserir-se na representação com participação direta, como esclarece Sodré.
Miège faz um comparativo da rede digital na esfera pública e privada. A mesma rede que serve a todos, na sociedade midiatizada, é instrumento de lazer, de trabalho e de espaço público. “É isso que seduz nas TICs. É que faz com que pessoas sem formação técnica, como as crianças, a dominem. Somos autodidatas no uso das ferramentas da comunicação”, diz o autor. As Tics alteraram também a visão unidirecional da mídia do passado. TVs, rádios e imprensa se modificam para atender a uma sociedade conectada e onde estas conexões tendem a associar à mobilidade.
Esta sociedade atreladas à tecnologia da informação e da comunicação caracteriza-se também por um processo chamado pelo autor de “enraizamento”, diferente dos conceitos de “inserção social” ou “inclusão social”, que torna-se mais complexo e além do uso. Sua teoria fundamenta-se em sete processos, a saber: a informacionalização, a mediatizacao da comunicação, a ampliação do campo midiático, a mercantilização das atividades comunicacionais, a generalização das relações públicas, a diferenciação das práticas e a circulação em fluxos e transnacionalização das atividades.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

EMISSÃO, RECEPÇÃO E UM TERCEIRO SISTEMA


Emissão e recepção. Parece que os eixos tradicionais apontados pela Teoria da Comunicação são capazes de agregar uma gama de possibilidades e de atuação da mídia junto ao público. O pensamento do professor José Luiz Braga (foto abaixo), no livro “A Sociedade Enfrenta a Sua Mídia” é de que estes dois pontos não contemplam aspectos diretos de interação da audiência. Interação essa capaz de promover modificações no produto e nos meios de comunicação. Baseando tão somente no título de sua obra, percebe-se que esta sociedade detém dispositivos que avaliam e criticam a mídia, e também instrumentos eficazes que interagem sobre a circulação do conteúdo simbólico.
O dualismo emissão e recepção, a partir dos estudos da comunicação, historicamente observou a mídia como centro, capaz de promover modificações na sociedade. Esta, por sua vez, não manifestava-se ante à sua produção, assimilando todo o significado, consistindo num processo de dominação-dominado que lembra a Teoria da Agulha Hipodérmica ou mesmo a essência da Indústria Cultural, baseada numa manipulação inexorável das massas.
No âmbito da cultura, percebe-se que os nichos sociais e suas manifestações peculiares, tem recepcionado o conteúdo da mídia de diferentes modos. É fundamentação mais evidente da Teoria das Mediações Culturais, quando o deslocamento dos estudos deixam os meios e seguem para as mediações, observando seu aspecto de formação sócio-antropológica. Braga propõe um modelo que reforça a importância da mediação, que ele denominou de “sistema de circulação interacional” ou como Paulo Vaz menciona no prefácio, a terceira via que seria o “sistema de resposta”. Ou seja, a capacidade de audiência criticar, avaliar, julgar e resistir aos produtos midiáticos.
Há uma relação impressionante nos livros abordados neste blog, quanto aos autores que observam a recepção sob um viés pouco, senão nunca antes analisado. Kellner estimula o que ele adota como Pedagogia Crítica da Mídia, um instrumento para dotar a sociedade de capacidade para enfrentar a mídia e filtrar todo o seu conteúdo simbólico. Sobretudo quando Kellner vê a mídia como meio de dominação, que busca impor a ideologia das camadas mais poderosas ao injetar na sociedade uma cultura toda baseada nas produções midiáticas. Seja do ponto de vista político, ideológico ou de comportamento, a cultura da mídia quer formatar
o pensamento de uma sociedade, embora esta mesma mídia seja capaz de oferecer ferramentas para que haja resistência da audiencia a ela.
Tudo isso para mostrar o que está além da campo da emissão-recepção e que Braga propõe-se a apresentar. O artigo de Mayra Rodrigues Gomes classifica esta terceira vertente desta relação com a mídia como “Um conceito para sanar a invisibilidade dos processos sociais sobre as mídias”, um título que mostra-se apropriado para exemplificar como a audiência era percebida até então pelos estudos comunicacionais, como invisíveis ante um processo complexo de mediação. Gomes mostra que este novo conceito oferece um papel ativo à recepção de redimensionar, redirecionar e ressignificar os produtos da emissão.
Este terceiro sistema manifesta-se uma correlação com os demais sistemas. O “sistema de circulação interacional” é apresentado por Braga como ciclo contínuo de uma mediação dinâmica que parte da mídia e que é retomada a ela, que manifesta-se com novas modificações no conteúdo e produtos subsequentemente apresentados. Então, “o sistema de interações sociais sobre a mídia se exerce como parte integrante dos sistemas de produção e recepção. Enquanto momento posterior à recepção, remete-nos ao ponto em que as propostas da mídia se reconfiguram, retomando os anteriores subsistemas, de forma a também abarcá-los nessa reconfiguração” (GOMES, p. 2).

Este ciclo de relações sociais com a mídia, em que a emissão produz, a recepção consome e avalia, ao mesmo tempo, em que retroalimenta a mídia é a base principal dos estudos de Braga. Este sistema processual possibilita, além do fluxo tradicionalmente observado nos estudos da mídia, mas auxilia na compreensão da produção midiática em constante mudança, devido às intervenções críticas da sociedade. O foco do autor é exatamente este: a crítica social da mídia, a aprendizagem ofertada a partir destas intervenções, o controle social e a ação social com base no sistema de resposta.
Braga analisa trabalhos que coadnuam com o sistema de interação social, que constituem uma reação à produção da mídia e não podem ser consideradas apenas como uma manifestação apontada como extramidiática. Mesmo as produções acadêmicas inserem-se na lógica do sistema de resposta de Braga, bem como as discussões de indivíduos em bares, ou as cartas encaminhadas pelos leitores aos ombudsman dos jornais. São objetos que comprovam o dinamismo no processo de circulação de significados. Braga limita-se à selecionar críticas acadêmicas e especializadas.
Os objetos de análise dos estudos de Braga são a coluna de Bernardo Ajzenberg (ombudsman da Folha de S. Paulo), a coluna Conselho do Leitor, da Zero Hora, e o site Observatório da Imprensa. Estas escolhas enquadram-se na perspectiva da crítica especializada. Acerca de obras que abordam a mídia especialmente, sob diferentes viéses, estão A arte de fazer um jornal diário, de Ricardo Noblat, O jornalismo nos anos 90, de Luís Nassif, e A televisão levada a sério, de Arlindo Machado.
Estes objetos são apenas exemplos de um conglomerado muito mais amplo de vozes e de instrumentos de crítica da mídia. Até mesmo as redes sociais na internet servem de parâmetro instantâneo para os veículos de comunicação se autoavaliarem e considerar a reação da audiência diante de sua postura. O conceito proposto por Braga é, de fato, extenso e importante, o que em seus exemplos já deixam bem evidentes. É o que Gomes define: “Toda atividade reflexiva, ou mais particularmente o exercício filosófico, consiste na criação de conceitos com os quais possamos enfrentar as dificuldades teóricas com que nos confrontamos. Descortinando perspectivas de conhecimento, panoramas de hipóteses e espaços de experimentação, é esse o trabalho que realiza José Luiz Braga”. (p. 4)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

MATERIALISMO CULTURAL


Douglas Kellner é um ferrenho defensor dos Estudos Culturais Críticos, ao ponto de preocupar-se com a situação que tais estudos estão alcançando em vários países. Segundo ele, os Estudos Críticos estariam perdendo o cunho crítico e político, tornando-se inofensivo e até mesmo, defensor dos interesses da indústria cultural. Para evitar que os Estudos Culturais percam-se em seus propósitos, Kellner aponta um caráter multiperspectívico da pesquisa, observando aspectos dos produtores culturais, da significação do texto e da reação da audiência.
É, neste ponto, que Kellner recorre ao Materialismo Cultural, que aborda a relação da mídia e cultura e faz “análise de todas as formas de significação dentro dos reais meios e condições de produção”, numa definição de Raymond Willliams (foto ao lado, p.63). Significa que, para fazer uma análise da cultura da mídia, é importante – com base no materialismo cultural – situar o objeto entre seu modo de produção, atuação e consumo. O autor ressalta a importância da economia política neste caso, que “constrange ao que pode e não pode ser produzido, que impõe limites e possibilidades para a produção cultural” (p.64).
Então, a base dos Estudos Críticos Culturais surge quando nota-se que a produção da mídia tem relação com as estruturas de poder e de dominação, servindo para reprodução de significados dos poderosos. Porém, tal produção capacita à audiência também de resistir e de lutar.
O enunciado de Kellner perpassa ainda pelo foco do Materialismo Cultural, quanto aos efeitos dos receptores. “Os textos da mídia seduzem, fascinam, comovem, posicionam e influenciam seu público” (p.64). Fica fácil compreender que o Materialismo Cultural vê como os textos culturais agem na audiência, qual a significação oferecida, de que maneira atua sob o público, mas também observa as reações contra-hegemônicas, de como elas manifestam-se também apresentadas na cultura da mídia (por exemplo, os filmes de Spike Lee e o rap do Ice T).

domingo, 24 de outubro de 2010

MÍDIA E CONSUMO: VOCÊ É O QUE CONSOME

Verifiquei uma relação bastante importante entre os teóricos Roger Silverstone e Douglas Kellner quanto à cultura da mídia, destacando uma conexão com o consumo. Esta relação foi possível a partir da leitura do artigo de Rose Rocha e Gisela Castro, “Cultura da mídia, cultura do consumo: imagem e espetáculo no discurso pós-moderno”, que aponta uma ligação direta entre o modo de viver dos indivíduos a partir dos padrões fornecidos pela mídia. Há um capítulo no livro “Porque Estudar a Mídia?” que destaca o consumo, onde Silverstone relembra sobre o que é a mídia e a mediação; que a mídia exprime a experiência, o modo de viver das pessoas, baseia-se no senso comum e no conjunto destas experiências, ela também se manifesta; que a mídia não traduz-se num aglomerado de instituições que atuam inocentemente ou sem qualquer intenção. A mídia deve ser entendida, como mencionado pelo autor, como um processo, um processo constante de mediação – de circulação de significados.
Ao considerar aspectos da mídia e do consumo, retorna-se a visão para o papel da Indústria Cultural, da teoria crítica, sob o pressuposto explicitado por Kellner, que a mídia produz para atender à interesses de seus controladores, representantes de grandes conglomerados de entretenimento. Aí é a chave para entender a relação mídia e consumo. A mídia produz entretenimento, baseado numa identificação com a audiência, e esta produção tem a intenção de seduzir o público. Kellner mostra que tais mensagens de conquista, estratégias subliminares de atração da audiência, são “agradabilíssimas” por utilizar meios audiovisuais, “usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições” (p. 11). Este poder da mídia é o que caracteriza o consumo. Entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia.
Comprar é uma atividade do cotidiano. Diariamente somos persuadidos pela mídia a consumir e consumimos todos os dias, seja individual ou coletivamente. “Ela apazigua ansiedades quanto à nossa capacidade de sobreviver e prosperar no que diz respeito tanto à subsistência como ao status” (SILVERSTONE, p. 148). O mercado amplia-se à esta ideia de consumo com o shopping-centers, as lojas de departamentos, os serviços de telemarketing e de comércio pela internet. Algo que parece tão trivial, banal, a atividade de consumo está visceralmente atreladas ao cotidiano do indivíduo. Porém, uma atividade trivial assim manifesta-se complexa. Não se consome por consumir. Há uma conexão com a mediação proporcionada pela mídia. Silverstone mostra que consumimos pela mídia, consumimos a mídia e aprendemos a consumir através da mídia.
Neste processo de influência da mídia no consumo, a mídia que fabrica seus próprios produtos, impregnados de sedução para atrair a audiência, oferece produtos simbólicos que constrói o significado dos indivíduos. “Negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo” (p.150). Ou seja, para Silverstone, as pessoas são o que consomem e não o que fazem ou o que pensam.
O fato da mídia utilizar do entretenimento como seu principal produto, levou autores a analisar a chamada “sociedade do espetáculo”. Guy Debord começou nos anos 60, um estudo da sociedade moderna ao caracterizá-la como a sociedade do espetáculo. Debord aplicava uma visão política à produção midiática, onde o espetáculo surge como um elemento alienante das massas, de “docilização” dos indivíduos e de despolitização do público.
Kellner, embora influenciado por Debord, considera a sociedade do espetáculo sob outro viés. Acredita que o espetáculo permeia todas as atividades da vida cotidiana, atingindo da política ao esporte, da moda às artes. Na sociedade moderna globalizada (leia-se ligada ao neoliberalismo, por definição apresentada neste blog de Muniz Sodré), Kellner defende que a sociedade moderna vive numa realidade do infoentretenimento.
Com base nos Estudos Culturais Críticos, é importante observar que a produção da mídia não significa uma imposição maniqueísta à audiência, como fosse fantoches sem forças para resistir aos tais produtos. Portanto, não deve-se pensar na cultura da mídia como um processo determinístico, mas na linha dos estudos de recepção considera-se que o público pode não aceitar as mensagens produzidas pelas classes dominantes e fazer a sua própria leitura. “Um estudo cultural crítico conceitua a sociedade como um terreno de dominação e resistência, fazendo uma crítica da dominação e dos modos como a cultura veiculada pela mídia se empenha em reiteirar as relações de dominação e opressão” (p.12)
Segundo Kellner, a própria mídia oferece recursos que possíbitem à audiência resistir aos significados da classe dominante induzidos através dos produtos midiáticos. Quer dizer: o público não está consumindo apenas entretenimento, mas conteúdo simbólico que podem formar a sua identidade. Mas, este público tem meios para resistir a esta cultura e rejeitar o que é oferecido pela indústria da mídia.
É notável observar na mídia a intenção de moldar a audiência ao gosto dos dominantes, às suas ideologias culturais e ao seu pensamento político. Esta é uma forma eficaz de manipulação e de domínio, como exemplificado por Muniz Sodré. Se antes os impérios conquistavam territórios com base na força, hoje é com base na produção simbólica, na disseminação de sua produção cultural. Isso é visto a partir da massificação global dos produtos estadunidenses, com destaque para o cinema. Produções de entretenimento com finalidade de difusão de conteúdo simbólico e hegemônico. Volto a tratar do assunto consumo e mídia, em seguida.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

INTRODUÇÃO A DOUGLAS KELLNER



Comecei a estudar o livro "Cultura da Mídia", de Douglas Kellner, e logo, a princípio, percebi muita semelhança com Barbero acerca dos Estudos Culturais. Ao considerar aspectos de hegemonia, o autor americano atenta que os indivíduos podem acatar ou rejeitar as influências da mídia, numa ação negociada como afirmou Barbero. Ou seja, não deixa de fazer uma crítica à Escola de Frankfurt e à Indústria Cultural, de que a ação dos meios à massa é imposta, de manipulação incontrolável. Entende-se que ambos fazem parte de um mesmo alinhamento conceitual, que é a base dos Estudos Culturais: Kellner observa o impacto da produção destes meios junto à audiência.
No artigo de Alexandre Busko Valim, Kellner fundamenta seu trabalho na vertente de outros integrantes dos Estudos Culturais, como Raymond Williams, Richard Johnson e Stuart Hall, produzidos entre as décadas de 1950 e 1960. São estudos que fazem crítica a transformação de bens culturais em mercadoria, padronização e massificação, mas que apoia no princípio hegemônico e contra-hegemônico de Gramsci, além de estabelecer ênfase às matrizes culturais e à recepção.
Kellner busca o equilíbrio nas relações hegemônicas de produção e difusão de "textos culturais", fundamento no conceito de Stuart Hall de "articulação", que visa exatamente encontrar um meio termo entre dominador e dominado, enfrentando assim a teoria da manipulação (que vê um domínio dos meios e da cultura na sociedade ) e a teoria populista da resistência (que vê formas dos indivíduos de resistirem a este domínio).


Assim, é importante observar que, havendo esta negociação, renegociação na relação hegemônica e na ação dos meios, a audiêncita também vê nestes meios uma identificação, um interesse comum. Mas, também a cultura da mídia cria meios de controle ideológico, apontado por Kellner em produções como Rambo (foto), que caracteriza uma autolegitimação do poderio americano – embora o país perdera a guerra do Vietnã –, basedo na ideia de que o Vietnã representa o mal e que a luta pela justiça e a igualdade é uma bandeira dos Estados Unidos. Há outros exemplos no cinema que sinalizam para esta forma ideológica de controle. Kellner enfatiza produções americanas e analisa a cultura estadunidense, mas tais análises servem para aplicação num contexto global. E aponta, além da cultura midiática quanto à ideologia, o fortalecimento de identidades também advindas desta cultura, como por exemplo, a discussão em torno da questão racial nos filmes de Spike Lee, nos rap de Public Enemy.
O autor deixa bem evidente sua crítica à ideologia marxista, como exposto neste blog, de que não há meios capazes de agir contra a influência hegemônica. Deixa claro também a inserção de seu pensamento na Teoria das Mediações Culturais, ao observar comportamento sexuais, de etnias, raças e de grupos na produção midiática (exemplo dos filmes de Spike Lee e dos rap). Valim acrescenta que as ligações de Kellner aos Estudos Culturais passam também pela teoria pós-moderna, que elucida "certas características novas e mais evidentes de nossa cultura e de nossa sociedade". Esta combinação de teorias modernas com aspectos teóricos pós-modernos vem a tornar-se, para Kellner, "o instrumental mais útil para se fazer teoria social e crítica cultural na atualidade."
Kellner estabelece parâmetros ao distinguir identidades sob a perspectiva moderna e pós-moderna. E leva a observação sobre perfis de identidade consideradas superficiais frente à concepções da identidade moderna. A série Miami Vice é exemplificada como meio que expõe a superficialidade da identidade construída a partir de escolha, a partir da aparência, imagem e consumo. Cita, do mesmo modo, o exemplo de Madonna. São dois modelos de identidades pós-modernas, construídas por imagens e pelo consumo, o que, assim, manifesta-se instável, mais sujeitas às mudanças do que as identidades modernas. Como no artigo de Valim, há ainda mais incertezas que certeza quando um tema é levado sob a concepção da teoria da pós-modernidade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SOCIEDADE DE MASSA

É importante considerar alguns pontos de Martin-Barbero quando refere-se à “Psicologia das Multidões”, na página 59 do livro “Dos Meios às Mediações”. Importante, porque é a partir dos estudos de formação das massas que compreende-se todo o processo midiático sobre às multidões. Os estudos começaram desde o séculos XIX, embora muitos estudiosos de comunicação apontam para os anos 30 e 40 do século passado. Barbero alerta para pesquisas que não mantiveram uma ligação histórica do surgimento social das massas. E tal ligação tem a ver com o progresso social no século XIX proporcionada em boa parte, pela Revolução Industrial. A sociedade de massa passa a desempenhar um papel, que assusta a aristocracia. Tudo sob o efeito da industrialização capitalista que avança às massas e deixa a burguesia perplexa. Havia uma separação nítida entre burguesia e as massas.
A multidão descobre a política. Se antes estava fora da esfera social, as massas enquadravam-se dentro, “dissolvendo o tecido das relações de poder, erodindo a cultura, desintegrando a velha ordem" e afeta sobremaneira a sociedade naquela época. Barbero cita Tocqueville ao afirmar que ele olha “a emergência das massa sem nostalgia” (p.56). Foi por influência desta emergência, que Tocqueville acredita ter dado início ao que se conhece hoje por democracia moderna.
O autor faz uma crítica à formação da democracia moderna, baseada na vontade da maioria. Segundo ele, deixa-se de lado o que se tem maior razão e virturde e valoriza o que é querido pela maioria. “Desta maneira, o que constitui o princípio moderno do poder legítimo acabará legitimando a maior das tiranias” (p. 57), visto que a minoria não terá a quem recorrer das injustiças. E forma sociedades mais individualistas, embora uniformizadas na maneira de viver. Uniformidade que vem a ser criticada em seguida, por transformar a sociedade numa degradação. “Massa é então a mediocridade coletiva que domina cultural e politicamente, pois os governos se convertem em órgãos das tendências e dos instintos das massas” (p.59).
Gustave Le Bon menciona que a civilização industrial não é possível sem a constituição da massa, das multidões. Fazem-se necessárias suas manifestações, suas turbulências para que torne-se visível a “alma coletiva”. Considerando este princípio, Barbero define:
“O que é massa? É um fenômeno psicológico pelo qual o indivíduo, por mais diferente que seja em seu modo de vida, suas ocupações ou seu caráter, estão dotados de uma alma coletiva que lhes faz comportarem-se de maneira completamente distinta de como o faria cada indivíduo isoladamente” (p.59-60). Estabelece também uma relação primitiva nesta alma coletiva, visto que as inibições provocadas por aspectos morais e éticos desaparecem para que façam aflorar instintos naturais, que subvertem, que afrontam leis, a ordem estabelecida.
Barbero alerta também para outro aspecto a ser considerado nas massas. Não apenas a psicológica, mas também a cultural. Segue o pensamento freudiano de que nas massas não existem apenas os instintos, mas igualmente, as produções, tais quais os idiomas, o folclore e os cantos populares.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

TECNOCULTURA E IMPERIALISMO

Parei para observar duas páginas do livro de Muniz Sodré e considerei oportuno registrar aqui aspectos da influência midiática sob o ponto de vista sociológico: como os meios atuam na formação da realidade social, desde as chamadas mídias tradicionais (ou lineares) ao novo modelo em rede, baseada na interação, nas conexões e na possibilidade de criação de espaço e tempo virtuais.
Percebe-se que existe uma relação sociológica homogênea no campo das mídias (linear e em rede), sobretudo, quanto aos impactos e aos efeitos, aí incluem os políticos, no âmbito da sociedade. E como isso se concretiza? A mídia funcionando como agendamento, a conhecida hipótese americana do agenda-setting, da Teoria Funcionalista. Muniz menciona: “A palavra agenda é, em latim, um particípio futuro passivo: “as (coisas que) devem ser feitas”. Agenda é organizar a pauta de assuntos suscetíveis de serem levados em conta individual ou coletivamente” (p.27)
A tecnocultura constitui-se como uma mudança nas formas tradicionais de sociedade, como especificado no “quarto bios”, da realidade midiatizada, da inclusão de uma nova vida a partir do virtual. Mas, Sodré esclarece que, sob o ponto de vista de poder, a tecnocultura é semelhante à midia tradicional sob aspectos político-imperalista. A tecnocultura também é um vetor da globalização ou neoliberalismo e do capitalismo no Ocidente, submetendo-se aos princípios hegemônicos dos Estados Unidos. Tal hegemonia caracteriza-se pela capacidade norte-americana de pautar a agenda midiática no Ocidente e oferecer produtos desta economia baseados na mídia.
Esta postura imperalista norte-americana ampliou-se na virada do milênio, com a expansão do neoliberalismo no mundo, dos objetos midiáticos que formatam o agendamento que apregoam sua ideologia e reforçam seu poder.
Sodré faz uma analogia interessante dos métodos aplicados por impérios em seus tempos: “Se o Império Romano dominou o mundo pela espada e pelos ritos, o Império Americano controla pelo capital e pela agenda midiática do democratismo comercial (informação, difusionismo cultural, entretenimento). Não há nada de verdadelramente “libertário” nos ritos do rock´n roll e do consumo, há tão-só coerència liberal" (p.28)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

METÁFORA DO QUARTO BIOS: “SHOW DE TRUMAN”

O quarto bios, apontado por Sodré, é exemplificado por ele mesmo no filme O Show de Truman, onde o personagem principal vê sua vida ser “compartilhada” ao mundo inteiro, em tempo real, como numa novela, através de câmeras onipresentes, controladas por técnicos e diretor de programação. No quarto bios, para Sodré, esta metáfora sinaliza para um controle social a partir das tecnologias também. Vamos ver um trecho do filme.

Sodré dá outro exemplo, além de Show de Truman, O 12o andar e A Cidade das Sombras, do quarto bios, a sociedade midiatizada a partir das tecnologias digitais. Este exemplo é realmente importante: o filme Matrix. O autor mostra que “não se trata mais de um espetáculo para a indústria cultural, nem de mídia tradicional (a televisão), mas de “realidade virtual” produzida por computação. Diferentemente do Show de Truman, aqui já se joga com a hesitação coletiva na determinação do que é original (substância) ou simulado (linguagem, discurso, informação numérica) em matéria de vida” (p.26)

QUARTO BIOS E MIDIATIZAÇÃO

É preciso entender o que Sodré expõe quando fala em “espelho” (que dá nome ao seu livro). No capítulo “Ethos Midiatizado”, o autor mostra uma alteração na mídia tradicional (ou “linear”, a exemplo da TV e do cinema) onde as imagens são representadas realisticamente (como a retórica da hipotipose - descrição pitoresca de um evento) para a audiência externa. Na nova mídia digital, o usuário pode inserir-se nesta realidade, trocando a contemplação da representação pela participação direta.
O espelho midiático não é uma mera reprodução, reflexo, porque envolve uma nova forma de vida, onde os indivíduos são incluídos, com características diferentes de espaço e tempo, em relação à midia linear. Não pode esquecer: a nova vida aontada por Sodré está diretamente ligada à intervenções na dimensão espaço-tempo (como no conceito pós-modernista). Uma nova configuração social a partir da bios virtual, uma realidade não-conflitante com a real-histórico, o real tradicional.
Inclusive, na entrevista à revista da Fapesp, Sodré discorda do pensamento de Bourdieu acerca desta realidade, denominada de vida plasmada, vida idealizada. “Não acho que se trata de arrolar os efeitos catastróficos da televisão (que é o principal meio síntese imagem do século passado) sobre a realidade tradicional. Acho que se trata agora de identificar uma nova forma de vida, para cuja construção concorrem transformações importantes de toda uma estrutura social básica.”, afirmou o autor.
Como o espelho midiático não traduz-se em reflexo puro da realidade, mas há condicionantes que agem sobre esta reflexão e que esta por sua vez, agem no campo da vida social. Ou seja, o espelho também se configura como um processo de mediação na sociedade. Esta “midiatização”, com base na atual tecnologia, está inserida num campo social de “interatividade absoluta e conectividade permanente” (p.24). O artigo“Visibilidade midiática: entre estratégias das instituições e estratégias dos sujeitos”, de Eugenia Mariano da Rocha Barichello e Daiane Scheid explicam o pensamento de midiatização de Sodré, em que a “sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, quer dizer, pela tendência à virtualização ou telerrealização das relações humanas” (p.4).
A midiatização é o quarto bios, além dos três exemplificados por Aristóteles, uma “tecnologia de sociabilidade”, uma nova forma de vida, intensamente tecnológica. E não esquecer: com influências diretas relação tempo e espaço.

BIOS VIRTUAL DE MUNIZ SODRÉ


O aspecto da mudança na comunicação nas últimas duas décadas, sobremodo na passagem do século, tem caracterizado o primeiro capítulo do livro do professor Muniz Sodré (“Antropológica do Espelho” - foto ao lado). Especialmente, neste período, a informação recebe uma variedade de formas (sons, imagens, dígitos) e transformam-se em produtos num mundo globalizado (para não dizer, moldado pelo neoliberalismo). O cenário leva o nome de “sociedade da informação” e, com o advento da internet, esta sociedade se dinamizou.
A internet insere-se no campo tecnológico que levou muitos a tratá-la como a grande invenção da virada do século, compadada à imprensa, aos tipos móveis de Gutenberg. A mudança comportamental em pessoas e instituições provocadas pela rede lembra uma “revolução”, a “Revolução da Informação” – como um segundo momento, após a Revolução Industrial –, que Sodré não concorda. muito: “As transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas do poder, embora possam aqui e ali agilizar o que, dentro dos parâmetros liberais, se chamaria “democratização” (p. 13).
Muniz acredita que o melhor termo seria “mutação tecnológica”, por “não se tratar de uma descoberta linearmente inovadora e sim, de inovação tecnológica do avanço científico”. O livro de Sodré é muito claro, com uma linguagem clara, objetiva que orienta e ao mesmo tempo contextualiza neste tempos de comunicação em rede. O autor, ainda tratando do assunto da revolução, lembra que a Revolução Industrial aproximava-se muito com a Revolução da Informação, quanto à maturação tecnológica. Cita, no entanto, que o forte da revolução industrial, que afetou costumes, a vida social, política e econômica, foi a invenção da ferrovia, na “mobilidade espacial”. Assemelha-se com a virtual, com a distribução de bens e da “ilusão da ubiquidade humana”. (p.14)
A semelhança não está tão somente no aspecto logísitico da informação (visto que passa a ser também um fator preponderante na sociedade da informação), uma infra-estrutura para a condução informacional, chamada por Sodré de “infovias”, mas um reordenamento mercadológico no mundo inteiro. A unificação da sociedade em rede transformou a vida do homem em suas relações sociais de trabalho, mas também o coloca em total vigilância, num “gigantesco dispositivo de espionagem global”.
É compreensível avaliar o pensamento de Sodré partindo do princípio do que ele chamou a nova mídia de um novo “bios”, não uma vida encarnada, mas atrelada ao conceito aristotélico de “conhecimento, prazer e política”. Muniz estabelece o quarto bios, o midiático, a vida como espectro, a virtualidade. “É real, tudo que se passa ali é real, mas não da mesma ordem da realidade das coisas.”, comentou o autor, em reportagem da revista da Fapesp.
Como a mídia é espectro, uma representação, sua realidade não é palpável, mas essencialmente discursivo. O pensamento de Sodré caminha sob a perspectiva de uma vida espectral, onde a cada dia tudo é mais visual, e, portanto, uma nova realidade, “um outro bios”. Este novo bios também reconfigura as concepções sobre jornalismo e meios de comunicação. Para Sodré, a TV, por exemplo, não age como um ator social isolado, mas suas manifestações são determinadas por fatores sociais e regionais. Ou seja, mesmo com atuação transnacional, a televisão produz efeitos específicos e regionalizados. “Enfim, no bios virtual, o objeto predomina sobre o sujeito”, afirma, na reportagem.
Baseado na ideia de simulacro, do espectro, Muniz amplia o conceito de mídia, que não baseia-se no princípio puramente do aparato técnico, mas transcende a TV, o rádio, o cinema, a internet, o jornal. Como em processo amplo de mediação (como Silvestone vê na circulação de significados, Barbero nas relações culturais), Sodré sinaliza para a mídia que atua no controle das relações sociais e o controle das novas subjetividades através das tecnologias de informação.
Portanto, vale observar este trecho da reportagem da revista da Fapesp:
“A partir de uma realidade sistêmica que foi ponto de partida e ponto de chegada das análises de Habermas, nasce essa verdadeira forma de vida que é o bios virtual. A ponta desse iceberg é o bios midiático, espécie de comunidade afetiva, de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social. É esse o objeto dessa nova ciência social chamada comunicação para Sodré.”

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CRÍTICA AO MIDIACENTRISMO

Ao me aprofundar um pouco mais sobre os estudos de Martin-Barbero e o seu maior referencial teóríco-epistemológico acerca do deslocamento de uma análise metodológica comunicacional não a partir dos meios, mas das mediações, notei maior clareza quando o próprio Barbero deixa evidente em seu livro: “A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento” (p.16). E torna-se mais compreensível este processo de descentralização ao observar o conceito de cultura abordado pelo autor.
O professor Laan Mendes de Barros aponta em seu artigo “Os Meios ou as Mediações?” apresenta o percurso interdisciplinar no pensamento de Barbero, solidificando a ideia de cultura, a partir de uma visão “antropologizada” e não tão-somente sociológica. Ou seja, ao considerar aspectos culturais sob o viés antropológico (de estudos primitivos) entende-se que cultura é tanto a oca quando quanto os parentes, tanto o machado quanto o mito (especificado por Barbero na página 13) e que, assim, a cultura não pode ser separada, descompartimentada. Sobretudo nas sociedade moderna alimentada por bens simbólicos (televisão, escola, igreja, imprensa), toda estas relações contribuem para a construção da vida social, caracterizando como uma cultura “antropologizada”. Barbero destaca essa visão visto que a sociologia, segundo ele, vê a cultura a partir de atividades e objetos, em sua maior parte, ligada às artes e às letras.
Todo este caminho socio-antropológico chega à comunicação na base crítica do “midiacentrismo”, da sociedade capitalista e dos meios de comuunicação. Base crítica, que Barros considera até mesmo refutações, ao direcionamento marxista, elitista (nos estudos da Indústria Cultural) da Escola de Frankfurt. É neste pavimento entre cultura e comunicação que o pensamento de Barbero se insere.
O deslocamento proposto é o diferencial dos estudos apresentados por Martin-Barbero na comunicação latinoamericana. E tais estudos culturais, cujo deslocamento sinzliza para o campo das recepções tem influenciado outros autores (não apenas na América Latina), mas também em outros continentes. Por isso, que ao falar de Barbero faz-se imprescindível observar cultura (linha sócio-antropológica), deslocamento teórico- metodológico de atenção da pesquisa dos meios para as mediações (crítica ao midiacentrismo predominante no pensamento dos estudos comunicacionais latinoamericanos), mediações como cultura social, mas também como produção de significado (numa associação ao pensamento de Silverstone) e confronto com o funcionalismo hegemônico na comunicação (marxismo, indústria cultural e Teoria Crítica).

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O PRINCÍPIO DA HEGEMONIA


A visão aplicada por Martin-Barbero em seus estudos na Teoria das Mediações Culturais também caminha pela interdisciplinaridade e não se distancia, apesar do posicionamento bem menos elitista da Escola de Frankfurt, sobre a Indústria Cultural. A Indústria Cultural baseia-se na ideia inexorável de dominação das massas, cujo discurso é assinalado por um receptor passivo, num processo de manipulação das consciências. Barbero apoia-se no conceito de hegemonia de Antonio Gramsci (foto) – que compreende a relação comunicacional proposta pelos Estudos Culturais –, mediante a ideia que tanto é possível admitir a reprodução do sistema de dominação, quanto é possível haver resistência a este sistema.
Observando o texto do professor José Guibson Delgado Dantas, sobre a Teoria das Mediações, o conceito de hegemonia gramsciano fez com que Barbero compreendesse o processo de comunicação além dos meios, movendo o eixo para as mediações, observando suas variedades sociais. Estas variedades estão relacionadas à estrutura (classe social, experiências, conhecimentos, família), instituição (escola, igreja, política, esporte), conjuntura (modo de enxergar a vida, acervo cultural) e tecnologia (televisão, rádio, cinema, etc.).
Ou seja, Barbero foi observar todo conjunto de estratégias organizado pelo dominador, mas o mais impressionante, “os elementos que no dominado trabalham a favor do dominador”. Ou melhor, reside uma relação inconsciente de concordância, uma cumplicidade e como acentuado por Dantas, uma sedução que os permeia. O autor cita Luciano Gruppi (2000, p 3), estudioso de Gramsci, que esclarece que o conceito de hegemonia não atua sobre uma base econômica ou política, mas sobre outras estruturas como modo de pensar e “orientações ideológicas”.
Desta forma, a hegemonia não é estática ou centralizada, porém dinâmica. E para que exista a hegemonia é necessário à classe dominadora representar interesses que a classe dominada também reconhece como seus. Barbero aponta que a hegemonia “é um processo vivido, feito não só de força mas também de sentido pelo poder, de sedução e pela cumplicidade” (p.116). A hegemonia, portanto, não caracteriza-se como um processo em que o dominador intenta esmagar o dominado. Apresenta-se como um elemento que se faz necessário modificar-se constantemente sob o ponto de vista dos dois extremos.
Fica claro, com a fundamentação no pensamento gramsciano sob o papel dos Estudos Culturais, que os meios de comunicação não atuam no receptor como uma espécie de “agulha hipodérmica”, em que este receptor não terá a capacidade de fazer avaliações críticas deste conteúdo simbólico. Ele não é um mero decodificador da mensagem dos meios. Por isso, o eixo é deslocado para a cultura, pois o receptor pode muito bem ignorar conteúdo em que julgue não ser de interesse próprio, de seu grupo, conforme seus valores sociais.
Na cultura popular nem todo discurso hegemônico surtiu efeito em dado povo, diante das resistências e das remodelações da simbologia popular. Isso mostra que o poder hegemônio não atua de forma direta e acintosa, mas precisa submeter-se a uma negociação constante com a classe dominada, a fim de estabelecer interesses comuns e compactuado.
A hegemonia também se deu no processo do popular para o massivo no contexto histórico-social na América Latina. A enculturação patrocinadada pelo Estado-nação, quanto aos usos, línguas, costumes, crenças possibilitou a homoneigização da massa e isso não foi alcançado por meio da força repressiva no século XVII, mas pela produção simbólica. Quer dizer, não há processo hegemônico sem que o povo tenha acesso às linguagens deste discurso, sem a circulação desta produção simbólica.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

OS ESTUDOS CULTURAIS CRÍTICOS

Fazendo um passeio pela internet, deparei com o texto “Uma Abordagem Multiperspectívica para os Estudos de Recepção: o Caso Lasier Martins versus MST”, de Vilso Junior Chierentin Santi e Fábio Souza da Cruz. Não vou entrar no mérito do tema abordado na pesquisa da dupla, mas num ponto que me chamou a atenção a partir de meus estudos acerca dos culturalistas. Um ponto precisa ser considerado: as relações dos meios de comunicação com as matrizes culturais, em especial a movimentos (como no caso específico aqui, o MST). Isso leva a pensar a comunicação além das teorias funcionalistas que concebiam as mídias como “novas ferramentas das democracias modernas, como mecanismos decisivos de regualaç
ão da sociedade” (MATTELART apud SANTAELLA, p.39). Pode considerar tal ponto de vista como princípio ou mesmo como utopia.
As relações precisam ser vistas sob à visão de estudos críticos da comunicação e o caminho estaria nos Estudos Culturais, que no Brasil desembarcaram a partir de três momentos. “O primeiro deles foi a tradução para o português a obra “Cultura e Sociedade” de Raymond Willians em 1970.
O segundo, o lançamento do livro “Dos Meios às Mediações” de Jesús Martín-Barbero e a difusão das idéi
as de outros autores como Néstor García Canclini”. Outros nomes emergem na atualidade para os Estudos Culturais Criticos, como o do americano Douglas Kellner (foto ao lado). O autor defende que não há como dissociar cultura e mídia e que as produções midiáticas são sempre englobadas pela cultura. E propõe o que ele den
omina como “Pedagogia Crítica da Mídia”, consistindo na “resistência à manipulação e a tonificação do repector frente à cultura midiática dominante”.
Portanto, percebe-se uma forte tendência de observar a recepção nas articulações entre meios de comunicação e os movimentos sociais. Barbero desloca o eixo dos meios para as mediações, avaliando questões temporais e a pluralidade de matrizes culturais. (p.280). Encaminhei-me ao texto de Barbero (A Mistura do Povo e Massa no Urbano) que observa tais pluralidades e critica posicionamentos maniqueístas na concepção entre popular e urbano, como o mito de atrelar o urbano ao “antônimo de popular”. Tal conceito é considerado por Barbero como um renitente posicionamento da elite aristocrática.
Diante de um universo de percepção que divide o popular do urbano, caracterizando o primeiro como ingênuo, imaturo e politicamente infantil, e o segundo como ligado a uma cultura maturada, surgem novas reflexões sobre o popular urbano, cujas identificações seriam modificadas ou “homogeinizadas” pela Indústria Cultural: os impactos provocados pelo advento do rádio e do cinema (convertendo o populismo em nacionalismo na América Latina) e, em seguida, pela televisão (com ações mais dinâmicas a partir dos anos 60), com a difusão de bens e produtos, o discurso sobre o que é modernidade e o que é anacrônico, e a linguagem. “O rádio nacionalizou o idioma, mas preservou alguns ritmos, sotaques, tons. A televisão unifica para todo o País uma fala na qual, exceto para efeito de folclorização, a tendência é para a erradicação das entonações regionais” (p.280)
Voltando para os estudos culturais, nota-se o deslocamento do eixo dos meios para as mediações e ao mover aos atores sociais, em suas matrizes culturais, desenvolve-se, então, toda a complexidade dos estudos das mediações. Como citado no texto, “estudar a cultura da mídia também implica em realizar uma investigação que desloque a ênfase dos meios para as mediações, promovendo uma integração entre produção, texto e recepção (CRUZ, 2006, p.69)”.
Partindo para os atores sociais, pode-se admitir que, deixa-se os espaços restritos da mídia para entrar no campo vasto das mediações e a entender todo o processo de recepção ante a diferentes receptores e que tais receptores comportam-se de forma diferente ante a informação veiculada, ante ao discurso, ante à produção simbólica da mídia. Inclusive, grupos expõem reação de resistência a esta produção simbólica, não compactuando com sua essência. Outros aceitam em parte, descartando aquilo que não convém; outros, simplesmente aceitam o discurso em sua totalidade, reproduzindo-o em seguida.
Este processo de recepção se dá em dimensões que merecem ser consideradas e não apenas no manejamento do receptor com a máquina difusora das informações. Ou seja, a influência (ou não) dos meios e das mensagens não se estabelecem tão somente no momento em que a televisão é ligada e desligada. Ela provoca contornos em diversos agentes e instituições sociais, como apontado por Orozco Gomes. É o que o trabalho nomina como avaliar o abarcamento do nível empírico. O estudo de recepção necessitaria de avalar o volume e os diversos cenários sociais deste abarcamento.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

ILUSTRADOS E ROMÂNTICOS

Aproveito para observar um texto acerca da obra “Dos Meios às Mediações”, do professor espanhol e pesquisador no México, Jésus Martin-Barbero, um dos maiores expoentes dos Estudos Culturais na contemporaneidade. E começo fazendo um rápido relato acerca de seu pensamento sobre “Povo e Classe: do anarquismo e marxismo” (p.43). Barbero apresenta distinção acerca de movimento do povo na política (chamado de ilustrados) e do povo na cultura (chamado de românticos), que assemelha-se à visão de dominação, de burguesia de Marx. Tal separação faz surgir categorias como “culto” e “popular”, apresentando o popular como “inculto”. Barbero aponta tal raciocínio como “definição do povo por exclusão, tanto da riqueza como do ofício político e da educação” (p.37).
A diferença, para Barbero, não torna estas duas categorias interdependentes. Para o autor, a relação do popular na cultura baseia-se na relação que este povo adquire na política
“como é elaborada pela Ilustração”. Mas, aponta uma característica própria da cultura popular, não formada por influências de cima para baixo, das classes dominantes, do movimento ilustrado. Mas, que é preciso aceitar a existência de um pluralidade de culturas, que como exemplificado por Herder, reflete-se em modos diversos na configuração da vida social. E que o movimento romântico faz crer na existência de outra cultura, além da cultura hegemônica.
Aliás, Barbero sinaliza para o que ele chama de “ruptura do exclusivismo cultural”, questionando posições tanto de romãnticos quanto de ilustrados. Românticos mediante ao discurso de resgate da cultura popular, negando a circulação cultural ou o “processo histórico de formação do popular e o sentido social das diferenças sociais”. Ilustrados, devido pelo perfil evolucionista, de encarar o popular como o atrasado no desenvolvimento da humanidade (observação européia).
Tem-se então, uma abertura para uma avaliação antropológica acerca das diversidades culturais. Nota-se uma diferença acerca do pensamento cultural entre Barbero e Marx, quando o primeiro vê que o popular consegue se infiltrar no massivo, mantendo suas tradições e sua cultura. O princípio marxista entende que as ideias de uma época são as ideias de uma classe dominante e, “por mais que haja as visões que fujam a essas idéias, elas não podem empreender mudanças concretas na sociedade apenas em âmbito cultural”. Ou seja, Marx faz uma associação direta da cultura com a economia. Barbero vê a cultura em suas relações sociais.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

MEDIAÇÃO

Para Silverstone, a mídia é um processo de mediação, que implica, não apenas no movimento de significados, mas nas transformações destes significados em todos os seus estágios. Esta circulação gerada pela mídia também tem a colaboração dos indivíduos em sua relação da mídia com a experiência (como citado no texto anterior). Quer dizer, a meciação é a circulação de significados. O autor acrescenta que esta circulação é mais que o esquema proposto por Lazarsfeld e Katz, no conceito denominado two step flow - ou o fluxo em dois passos -, em que a informação esbarra nos líderes, que repassam aos indivíduos.
Os significados circulam em toda a produção da mídia e tais significados são consumidos e produzidos pela audiência. Desta produção, surgem as ações, interações, relações com o mundo (mundo este apontado por Silverstone como o “mundo da mídia, o mundo mediado, o mundo da mediação”). Neste mundo complexo, é complexo também entender o poder da mídia, diante da sua presença simbólica na sociedade e a relação desta com a mídia. E pesquisar este tema traduz-se em analisar a mídia estando dentro dela. O pesquisador está inserido dentro desta cultura midiática e sua produção significam, do mesmo modo, produto do processo de mediação. E faz um comparativo: “somos linguistas tentando analisar a sua própria língua” (p.34). Desvencilhar-se disso é o mesmo que o homem sair do alcance de sua sombra, como aponta Steiner.
A mediação trata a significação como o movimento hermenêutico de uma tradução. Uma relação que consiste em quatro pontos: confiança (valor de que quer compreender o que é traduzido), agressão (pela apropriação, pela suposta posse de seu significado), apropriação (levar os significados para casa) e restituição (a forma com o tradutor devolve o significado). Como mostra Luís Borges, “nenhuma tradução pode ser perfeita”. Portanto, nenhuma mediação também é perfeita.
Silverstone afirma que é preciso compreender todo o processo de mediação, como os significados são construídos e quais as suas consequências. E perceber também quando este processo é falível e quando estes significados são deturpados por força tecnológica ou de propósito com fins de atender a interesses do poder, de indivíduos ou instituições.

Relação mídia e experiência

Silverstone aponta que a mídia não é a medida de todas as coisas e que existem nos usuários a capacidade de discernimento na ação midiática, de fazer distinção entre realidade e fantasia e de preservação de distância com a mídia, o que implica em procedimento diferente da influência dos meios.
Por não ser a medida de todas as coisas, a mídia precisa ser investigada em função da experiência, do empírico, que contribui para sua formação. E vice-versa, como a experiência age na formação da mídia. Isto faz lembrar da corrente que ganhou força nos anos 80, a da hipótese dos Usos e Gratificações, modificando o conceito anterior da pura influência da mídia nas pessoas para um comportamento ativo da audiência. Ou seja, uma troca sinérgica que molda a mídia e a experiência.
Se a experiência é formada e a mídia exerce um papel em sua formação, Silvestorne questiona: como procede? A começar, a expressão corporal, que nos dá lugar na vida e oferece condições para a mídia introduza, sob o aspecto da habilidade. Ou seja, “nossa capacidade de de nos envolver com a mídia é precondicionada por nossa capacidade de manejar a máquina” (p.28) Seriam as extensões do homem, uma intimidade visceral, que faz confundir o que é humano e o que é tecnico.
Outro ponto desta formação baseia-se na psicanálise, dos significados, do inconsciente, “dos territórios ocultos da mente”. Como salienta Silverstone, “a experiência, tanto a mediada como a da mídia, surge na interface do corpo e da psique” (p.30), ou melhor, no social e nos discursos. O cotidiano da experiência é retratada nas narrativas mídia, seja no noticiário jornalístico, seja na produções ficcionais como reflexo do dia-a-dia social. O discurso da mídia, com base nas relações do cotidiano, e o discurso social deste cotidiano são interdependentes, entrelaçam-se, e proporcionam forma à experiência. Assim, o entrelaçamento envolve o público e o privado.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A partir de hoje, vou postar meus estudos sistemáticos acerca da mídia e estudos sociais para fins de compartilhar um pouco acerca de minhas leituras. Estabeleço aqui algumas resenhas, faço comparativos com outras obras, que podem servir para quem busca compreender um pouco sobre a necessidade de investigar a relação da mídia com a sociedade e suas significações.


POR QUE ESTUDAR A MÍDIA? Roger Silverstone (edições Loyola, São Paulo, 2002)

No capítulo “Textura Geral da Experiência”, o professor Roger Silverstone inicia apresentando um exemplo de um programa de TV sobre a vida e o trabalho de transexuais e travestis. Um programa sensacionalista busca “incendiar” a audiência com perguntas do tipo: vocês pretendem ter filhos? e m
omentos que caminham pelo preconceito e também pela exploração. Silverstone exemplifica esta situação na TV como um momento “explorador”, mas também “explorável”. E sua força consegue compreender além do local (a abrangência do programa), atingindo também o global.
Silverstone, a o apontar este exemplo, mostra a representação da televisão do cotidiano, do que é “ordinário e contínuo”.
Estas representações televisivas identificam-se com a sociedade diante de suas reações. Estas reações, por sua vez, apresentam-se como identitárias da sociedade. Esta sinergia TV-audiência torna-se cada vez mais intensa, a ponto da audiência não conseguir mais desvencilhar-se dela. “Passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de entretenimento e informação, de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência”, aponta o autor.
Diante desta relação, Silvestone fez a indagação: “por que estudar a mídia?”. É mais que observar usuários de internet, pessoas que passam horas diante da TV, lendo jornais ou diante dos números absurdos da venda de softwares. Mas, entender o que a mídia faz e o que a sociedade faz com ela. O estudo, citado por Silverstone, caminha pela dimensão social e cultural, e também política e econômica. “Estudá-la como algo que contribui para a nossa variável capacidade de compreender o mundo, de produzir e partilhar seus significados”. Esta relação da mídia e sua importância leva a compreender inicialmente, a razão dela ser fundamental para a vida cotidiana.

A ligação da mídia com a vida cotidiana, leva o autor a fazer um paralelo com Isaiah Berlin. Que é preciso estudar a mídia sob a visão da “textura geral da experiência”, que retrata as experiência do dia-a-dia. Isto porque a sociedade, para Berlin, é ativa porque “perseguem fins, moldam sua vida e a dos outros, sentem, refletem, imaginam, criam, em constante interação e intercomunicação com outros seres humanos”, assegura. E a mídia está diretamente atrelada a este processo social.

São apresentadas outras espécies de metáforas para a compreensão do papel da mídia na sociedade, a saber:

Como condutos: que oferecem rotas mais ou menos imperturbadas da mensagem à mente
Como linguagens: que fornece textos e representações para interpretação.
Como ambientes: que nos abraçam na intensidade de uma cultura midiática, saciando, contendo e desafiando sucessivamente.
Ou mesmo a metáfora de Marshall Mcluhan, que a vê a mídia como extensão do homem, como próteses, “que aumentam o poder, a influência”.

As metáforas para Silverstone servem para explicar, até certo ponto superficialmente, acerca da visão da mídia. Porém, salienta a necessidade de aprofundamento e investigação sobre as formas como a mídia participa da vida cotidiana e social, observando-a como um “processo”. É um processo histórico (viu-se avançar do telefone, cinema, rádio, TV, para a internet) e também político (ou, como o autor cita, “politicamente econômico”, por conta da ação de instituições globais na produção destes significados que invadem os indivíduos).


DIMENSÕES PRODUTIVAS E DISTRIBUTIVAS
Silverstone também levanta debate sobre dimensões “produtivas e distributivas” da mídia contemporânea e a relação de governos de controlar os dados em seu território. Por tal razão, o autor avalia o potencial da mídia e sua influência social e ideológica, abre questões como “quem medeia a mídia?” e “Com quais consequências?”, para, enfim, chegar na via que busca explicação para o estudo da mídia.

Mais que investigar respostas para o conteúdo simbólico gerado pela mídia, é preciso entender a presença cotidana da mídia na sociedade. Uma sociedade intrinsecamente ligada com os instrumentos midiáticos, de uma conexão para outra. Do rádio para a internet, da internet para a televisão, da televisão para o telefone, do telefone para o jornal. Um ciclo cumprido individualmente ou em grupo.

E a mídia opera neste espaço, através destas conexões, no “mundo mundano” como citado por Silverstone. A mídia observa a realidade da vida cotidiana, a filtra, estabelecendo critérios, referências, representações e significações. Ou seja, a mídia baseia-se no cotidiano, no senso comum. Acrescenta que “a mídia nos deu palavras para dizer, as ideias para exprimir, não como força desencarnada operando contra nós, enquanto nos ocupamos com nossos afazeres diários, mas como parte de uma realidade que participamos” (p. 21). Silvestone acrescenta que a mídia depende do senso comum. “Ela o reproduz, recorre a ele, mas também o explora e distorce” (p.21).
Esta capacidade de distorcer é o que conduziu à reflexão de CHARAUDEAU sobre a mídia como um “espelho deformante, ou mais ainda, são vários espelhos deformantes ao mesmo tempo, daqueles que se encontram em parques de diversões e que mesmo deformando, mostram, cada um à sua maneira, um fragmento amplificado, estereotipado do mundo”. Ou seja, as mídias são o espetáculo da democracia e não a própria democracia.

Silverstone faz um paralelo entre a reflexão feita acerca da mídia em suas narrativas como integrante da vida social (novela, programa de rádio, telejornais), mas a experiências do mundo contemporâneo e ao papel midiático nela. Por exemplo, ele cita metáforas espaciais (comentando desde o conceito de pós-modernidade, em que o tempo não é mais o que era), e veículos antes baseados no tempo (como o rádio), e a internet e o videogame alterando este modelo temporal. É o espaço em múltiplas dimensões, como apontado por Manuel Castells (1996).

Fica evidente para o autor que estudar a mídia é compreender a sua contribuição para a textura geral da experiência, o que leva a indagação acerca da realidade da experiência. Há realidade? existe realidade na mídia ou no cotidiano? Tais observações vão de encontro com a teoria pós-modernista de que o mundo “é sedutora e exclusivamente” de imagens e simulacros. Ou seja:

“O mundo é um mundo em que as realidades empíricas são progressivamente negadas, tanto por nós quanto para nós, no senso comum e na teoria. Nessa visão, vivemos nossas vidas em espaços simbólicos e auto-referenciais que nos oferecem nada mais que generalidades do sucedâneo e do hiperreal” (p.26)

A abordagem levou-me ao conceito de abstração de BAUDRILLARD, em “Simulacros e Simulação”, que ao destacar o hiperreal, aponta para a “geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade” (p.8)