quarta-feira, 27 de outubro de 2010

EMISSÃO, RECEPÇÃO E UM TERCEIRO SISTEMA


Emissão e recepção. Parece que os eixos tradicionais apontados pela Teoria da Comunicação são capazes de agregar uma gama de possibilidades e de atuação da mídia junto ao público. O pensamento do professor José Luiz Braga (foto abaixo), no livro “A Sociedade Enfrenta a Sua Mídia” é de que estes dois pontos não contemplam aspectos diretos de interação da audiência. Interação essa capaz de promover modificações no produto e nos meios de comunicação. Baseando tão somente no título de sua obra, percebe-se que esta sociedade detém dispositivos que avaliam e criticam a mídia, e também instrumentos eficazes que interagem sobre a circulação do conteúdo simbólico.
O dualismo emissão e recepção, a partir dos estudos da comunicação, historicamente observou a mídia como centro, capaz de promover modificações na sociedade. Esta, por sua vez, não manifestava-se ante à sua produção, assimilando todo o significado, consistindo num processo de dominação-dominado que lembra a Teoria da Agulha Hipodérmica ou mesmo a essência da Indústria Cultural, baseada numa manipulação inexorável das massas.
No âmbito da cultura, percebe-se que os nichos sociais e suas manifestações peculiares, tem recepcionado o conteúdo da mídia de diferentes modos. É fundamentação mais evidente da Teoria das Mediações Culturais, quando o deslocamento dos estudos deixam os meios e seguem para as mediações, observando seu aspecto de formação sócio-antropológica. Braga propõe um modelo que reforça a importância da mediação, que ele denominou de “sistema de circulação interacional” ou como Paulo Vaz menciona no prefácio, a terceira via que seria o “sistema de resposta”. Ou seja, a capacidade de audiência criticar, avaliar, julgar e resistir aos produtos midiáticos.
Há uma relação impressionante nos livros abordados neste blog, quanto aos autores que observam a recepção sob um viés pouco, senão nunca antes analisado. Kellner estimula o que ele adota como Pedagogia Crítica da Mídia, um instrumento para dotar a sociedade de capacidade para enfrentar a mídia e filtrar todo o seu conteúdo simbólico. Sobretudo quando Kellner vê a mídia como meio de dominação, que busca impor a ideologia das camadas mais poderosas ao injetar na sociedade uma cultura toda baseada nas produções midiáticas. Seja do ponto de vista político, ideológico ou de comportamento, a cultura da mídia quer formatar
o pensamento de uma sociedade, embora esta mesma mídia seja capaz de oferecer ferramentas para que haja resistência da audiencia a ela.
Tudo isso para mostrar o que está além da campo da emissão-recepção e que Braga propõe-se a apresentar. O artigo de Mayra Rodrigues Gomes classifica esta terceira vertente desta relação com a mídia como “Um conceito para sanar a invisibilidade dos processos sociais sobre as mídias”, um título que mostra-se apropriado para exemplificar como a audiência era percebida até então pelos estudos comunicacionais, como invisíveis ante um processo complexo de mediação. Gomes mostra que este novo conceito oferece um papel ativo à recepção de redimensionar, redirecionar e ressignificar os produtos da emissão.
Este terceiro sistema manifesta-se uma correlação com os demais sistemas. O “sistema de circulação interacional” é apresentado por Braga como ciclo contínuo de uma mediação dinâmica que parte da mídia e que é retomada a ela, que manifesta-se com novas modificações no conteúdo e produtos subsequentemente apresentados. Então, “o sistema de interações sociais sobre a mídia se exerce como parte integrante dos sistemas de produção e recepção. Enquanto momento posterior à recepção, remete-nos ao ponto em que as propostas da mídia se reconfiguram, retomando os anteriores subsistemas, de forma a também abarcá-los nessa reconfiguração” (GOMES, p. 2).

Este ciclo de relações sociais com a mídia, em que a emissão produz, a recepção consome e avalia, ao mesmo tempo, em que retroalimenta a mídia é a base principal dos estudos de Braga. Este sistema processual possibilita, além do fluxo tradicionalmente observado nos estudos da mídia, mas auxilia na compreensão da produção midiática em constante mudança, devido às intervenções críticas da sociedade. O foco do autor é exatamente este: a crítica social da mídia, a aprendizagem ofertada a partir destas intervenções, o controle social e a ação social com base no sistema de resposta.
Braga analisa trabalhos que coadnuam com o sistema de interação social, que constituem uma reação à produção da mídia e não podem ser consideradas apenas como uma manifestação apontada como extramidiática. Mesmo as produções acadêmicas inserem-se na lógica do sistema de resposta de Braga, bem como as discussões de indivíduos em bares, ou as cartas encaminhadas pelos leitores aos ombudsman dos jornais. São objetos que comprovam o dinamismo no processo de circulação de significados. Braga limita-se à selecionar críticas acadêmicas e especializadas.
Os objetos de análise dos estudos de Braga são a coluna de Bernardo Ajzenberg (ombudsman da Folha de S. Paulo), a coluna Conselho do Leitor, da Zero Hora, e o site Observatório da Imprensa. Estas escolhas enquadram-se na perspectiva da crítica especializada. Acerca de obras que abordam a mídia especialmente, sob diferentes viéses, estão A arte de fazer um jornal diário, de Ricardo Noblat, O jornalismo nos anos 90, de Luís Nassif, e A televisão levada a sério, de Arlindo Machado.
Estes objetos são apenas exemplos de um conglomerado muito mais amplo de vozes e de instrumentos de crítica da mídia. Até mesmo as redes sociais na internet servem de parâmetro instantâneo para os veículos de comunicação se autoavaliarem e considerar a reação da audiência diante de sua postura. O conceito proposto por Braga é, de fato, extenso e importante, o que em seus exemplos já deixam bem evidentes. É o que Gomes define: “Toda atividade reflexiva, ou mais particularmente o exercício filosófico, consiste na criação de conceitos com os quais possamos enfrentar as dificuldades teóricas com que nos confrontamos. Descortinando perspectivas de conhecimento, panoramas de hipóteses e espaços de experimentação, é esse o trabalho que realiza José Luiz Braga”. (p. 4)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

MATERIALISMO CULTURAL


Douglas Kellner é um ferrenho defensor dos Estudos Culturais Críticos, ao ponto de preocupar-se com a situação que tais estudos estão alcançando em vários países. Segundo ele, os Estudos Críticos estariam perdendo o cunho crítico e político, tornando-se inofensivo e até mesmo, defensor dos interesses da indústria cultural. Para evitar que os Estudos Culturais percam-se em seus propósitos, Kellner aponta um caráter multiperspectívico da pesquisa, observando aspectos dos produtores culturais, da significação do texto e da reação da audiência.
É, neste ponto, que Kellner recorre ao Materialismo Cultural, que aborda a relação da mídia e cultura e faz “análise de todas as formas de significação dentro dos reais meios e condições de produção”, numa definição de Raymond Willliams (foto ao lado, p.63). Significa que, para fazer uma análise da cultura da mídia, é importante – com base no materialismo cultural – situar o objeto entre seu modo de produção, atuação e consumo. O autor ressalta a importância da economia política neste caso, que “constrange ao que pode e não pode ser produzido, que impõe limites e possibilidades para a produção cultural” (p.64).
Então, a base dos Estudos Críticos Culturais surge quando nota-se que a produção da mídia tem relação com as estruturas de poder e de dominação, servindo para reprodução de significados dos poderosos. Porém, tal produção capacita à audiência também de resistir e de lutar.
O enunciado de Kellner perpassa ainda pelo foco do Materialismo Cultural, quanto aos efeitos dos receptores. “Os textos da mídia seduzem, fascinam, comovem, posicionam e influenciam seu público” (p.64). Fica fácil compreender que o Materialismo Cultural vê como os textos culturais agem na audiência, qual a significação oferecida, de que maneira atua sob o público, mas também observa as reações contra-hegemônicas, de como elas manifestam-se também apresentadas na cultura da mídia (por exemplo, os filmes de Spike Lee e o rap do Ice T).

domingo, 24 de outubro de 2010

MÍDIA E CONSUMO: VOCÊ É O QUE CONSOME

Verifiquei uma relação bastante importante entre os teóricos Roger Silverstone e Douglas Kellner quanto à cultura da mídia, destacando uma conexão com o consumo. Esta relação foi possível a partir da leitura do artigo de Rose Rocha e Gisela Castro, “Cultura da mídia, cultura do consumo: imagem e espetáculo no discurso pós-moderno”, que aponta uma ligação direta entre o modo de viver dos indivíduos a partir dos padrões fornecidos pela mídia. Há um capítulo no livro “Porque Estudar a Mídia?” que destaca o consumo, onde Silverstone relembra sobre o que é a mídia e a mediação; que a mídia exprime a experiência, o modo de viver das pessoas, baseia-se no senso comum e no conjunto destas experiências, ela também se manifesta; que a mídia não traduz-se num aglomerado de instituições que atuam inocentemente ou sem qualquer intenção. A mídia deve ser entendida, como mencionado pelo autor, como um processo, um processo constante de mediação – de circulação de significados.
Ao considerar aspectos da mídia e do consumo, retorna-se a visão para o papel da Indústria Cultural, da teoria crítica, sob o pressuposto explicitado por Kellner, que a mídia produz para atender à interesses de seus controladores, representantes de grandes conglomerados de entretenimento. Aí é a chave para entender a relação mídia e consumo. A mídia produz entretenimento, baseado numa identificação com a audiência, e esta produção tem a intenção de seduzir o público. Kellner mostra que tais mensagens de conquista, estratégias subliminares de atração da audiência, são “agradabilíssimas” por utilizar meios audiovisuais, “usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições” (p. 11). Este poder da mídia é o que caracteriza o consumo. Entretenimento é o principal produto oferecido pela cultura da mídia.
Comprar é uma atividade do cotidiano. Diariamente somos persuadidos pela mídia a consumir e consumimos todos os dias, seja individual ou coletivamente. “Ela apazigua ansiedades quanto à nossa capacidade de sobreviver e prosperar no que diz respeito tanto à subsistência como ao status” (SILVERSTONE, p. 148). O mercado amplia-se à esta ideia de consumo com o shopping-centers, as lojas de departamentos, os serviços de telemarketing e de comércio pela internet. Algo que parece tão trivial, banal, a atividade de consumo está visceralmente atreladas ao cotidiano do indivíduo. Porém, uma atividade trivial assim manifesta-se complexa. Não se consome por consumir. Há uma conexão com a mediação proporcionada pela mídia. Silverstone mostra que consumimos pela mídia, consumimos a mídia e aprendemos a consumir através da mídia.
Neste processo de influência da mídia no consumo, a mídia que fabrica seus próprios produtos, impregnados de sedução para atrair a audiência, oferece produtos simbólicos que constrói o significado dos indivíduos. “Negociamos nossos valores e, ao fazê-lo, tornamos nosso mundo significativo” (p.150). Ou seja, para Silverstone, as pessoas são o que consomem e não o que fazem ou o que pensam.
O fato da mídia utilizar do entretenimento como seu principal produto, levou autores a analisar a chamada “sociedade do espetáculo”. Guy Debord começou nos anos 60, um estudo da sociedade moderna ao caracterizá-la como a sociedade do espetáculo. Debord aplicava uma visão política à produção midiática, onde o espetáculo surge como um elemento alienante das massas, de “docilização” dos indivíduos e de despolitização do público.
Kellner, embora influenciado por Debord, considera a sociedade do espetáculo sob outro viés. Acredita que o espetáculo permeia todas as atividades da vida cotidiana, atingindo da política ao esporte, da moda às artes. Na sociedade moderna globalizada (leia-se ligada ao neoliberalismo, por definição apresentada neste blog de Muniz Sodré), Kellner defende que a sociedade moderna vive numa realidade do infoentretenimento.
Com base nos Estudos Culturais Críticos, é importante observar que a produção da mídia não significa uma imposição maniqueísta à audiência, como fosse fantoches sem forças para resistir aos tais produtos. Portanto, não deve-se pensar na cultura da mídia como um processo determinístico, mas na linha dos estudos de recepção considera-se que o público pode não aceitar as mensagens produzidas pelas classes dominantes e fazer a sua própria leitura. “Um estudo cultural crítico conceitua a sociedade como um terreno de dominação e resistência, fazendo uma crítica da dominação e dos modos como a cultura veiculada pela mídia se empenha em reiteirar as relações de dominação e opressão” (p.12)
Segundo Kellner, a própria mídia oferece recursos que possíbitem à audiência resistir aos significados da classe dominante induzidos através dos produtos midiáticos. Quer dizer: o público não está consumindo apenas entretenimento, mas conteúdo simbólico que podem formar a sua identidade. Mas, este público tem meios para resistir a esta cultura e rejeitar o que é oferecido pela indústria da mídia.
É notável observar na mídia a intenção de moldar a audiência ao gosto dos dominantes, às suas ideologias culturais e ao seu pensamento político. Esta é uma forma eficaz de manipulação e de domínio, como exemplificado por Muniz Sodré. Se antes os impérios conquistavam territórios com base na força, hoje é com base na produção simbólica, na disseminação de sua produção cultural. Isso é visto a partir da massificação global dos produtos estadunidenses, com destaque para o cinema. Produções de entretenimento com finalidade de difusão de conteúdo simbólico e hegemônico. Volto a tratar do assunto consumo e mídia, em seguida.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

INTRODUÇÃO A DOUGLAS KELLNER



Comecei a estudar o livro "Cultura da Mídia", de Douglas Kellner, e logo, a princípio, percebi muita semelhança com Barbero acerca dos Estudos Culturais. Ao considerar aspectos de hegemonia, o autor americano atenta que os indivíduos podem acatar ou rejeitar as influências da mídia, numa ação negociada como afirmou Barbero. Ou seja, não deixa de fazer uma crítica à Escola de Frankfurt e à Indústria Cultural, de que a ação dos meios à massa é imposta, de manipulação incontrolável. Entende-se que ambos fazem parte de um mesmo alinhamento conceitual, que é a base dos Estudos Culturais: Kellner observa o impacto da produção destes meios junto à audiência.
No artigo de Alexandre Busko Valim, Kellner fundamenta seu trabalho na vertente de outros integrantes dos Estudos Culturais, como Raymond Williams, Richard Johnson e Stuart Hall, produzidos entre as décadas de 1950 e 1960. São estudos que fazem crítica a transformação de bens culturais em mercadoria, padronização e massificação, mas que apoia no princípio hegemônico e contra-hegemônico de Gramsci, além de estabelecer ênfase às matrizes culturais e à recepção.
Kellner busca o equilíbrio nas relações hegemônicas de produção e difusão de "textos culturais", fundamento no conceito de Stuart Hall de "articulação", que visa exatamente encontrar um meio termo entre dominador e dominado, enfrentando assim a teoria da manipulação (que vê um domínio dos meios e da cultura na sociedade ) e a teoria populista da resistência (que vê formas dos indivíduos de resistirem a este domínio).


Assim, é importante observar que, havendo esta negociação, renegociação na relação hegemônica e na ação dos meios, a audiêncita também vê nestes meios uma identificação, um interesse comum. Mas, também a cultura da mídia cria meios de controle ideológico, apontado por Kellner em produções como Rambo (foto), que caracteriza uma autolegitimação do poderio americano – embora o país perdera a guerra do Vietnã –, basedo na ideia de que o Vietnã representa o mal e que a luta pela justiça e a igualdade é uma bandeira dos Estados Unidos. Há outros exemplos no cinema que sinalizam para esta forma ideológica de controle. Kellner enfatiza produções americanas e analisa a cultura estadunidense, mas tais análises servem para aplicação num contexto global. E aponta, além da cultura midiática quanto à ideologia, o fortalecimento de identidades também advindas desta cultura, como por exemplo, a discussão em torno da questão racial nos filmes de Spike Lee, nos rap de Public Enemy.
O autor deixa bem evidente sua crítica à ideologia marxista, como exposto neste blog, de que não há meios capazes de agir contra a influência hegemônica. Deixa claro também a inserção de seu pensamento na Teoria das Mediações Culturais, ao observar comportamento sexuais, de etnias, raças e de grupos na produção midiática (exemplo dos filmes de Spike Lee e dos rap). Valim acrescenta que as ligações de Kellner aos Estudos Culturais passam também pela teoria pós-moderna, que elucida "certas características novas e mais evidentes de nossa cultura e de nossa sociedade". Esta combinação de teorias modernas com aspectos teóricos pós-modernos vem a tornar-se, para Kellner, "o instrumental mais útil para se fazer teoria social e crítica cultural na atualidade."
Kellner estabelece parâmetros ao distinguir identidades sob a perspectiva moderna e pós-moderna. E leva a observação sobre perfis de identidade consideradas superficiais frente à concepções da identidade moderna. A série Miami Vice é exemplificada como meio que expõe a superficialidade da identidade construída a partir de escolha, a partir da aparência, imagem e consumo. Cita, do mesmo modo, o exemplo de Madonna. São dois modelos de identidades pós-modernas, construídas por imagens e pelo consumo, o que, assim, manifesta-se instável, mais sujeitas às mudanças do que as identidades modernas. Como no artigo de Valim, há ainda mais incertezas que certeza quando um tema é levado sob a concepção da teoria da pós-modernidade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

SOCIEDADE DE MASSA

É importante considerar alguns pontos de Martin-Barbero quando refere-se à “Psicologia das Multidões”, na página 59 do livro “Dos Meios às Mediações”. Importante, porque é a partir dos estudos de formação das massas que compreende-se todo o processo midiático sobre às multidões. Os estudos começaram desde o séculos XIX, embora muitos estudiosos de comunicação apontam para os anos 30 e 40 do século passado. Barbero alerta para pesquisas que não mantiveram uma ligação histórica do surgimento social das massas. E tal ligação tem a ver com o progresso social no século XIX proporcionada em boa parte, pela Revolução Industrial. A sociedade de massa passa a desempenhar um papel, que assusta a aristocracia. Tudo sob o efeito da industrialização capitalista que avança às massas e deixa a burguesia perplexa. Havia uma separação nítida entre burguesia e as massas.
A multidão descobre a política. Se antes estava fora da esfera social, as massas enquadravam-se dentro, “dissolvendo o tecido das relações de poder, erodindo a cultura, desintegrando a velha ordem" e afeta sobremaneira a sociedade naquela época. Barbero cita Tocqueville ao afirmar que ele olha “a emergência das massa sem nostalgia” (p.56). Foi por influência desta emergência, que Tocqueville acredita ter dado início ao que se conhece hoje por democracia moderna.
O autor faz uma crítica à formação da democracia moderna, baseada na vontade da maioria. Segundo ele, deixa-se de lado o que se tem maior razão e virturde e valoriza o que é querido pela maioria. “Desta maneira, o que constitui o princípio moderno do poder legítimo acabará legitimando a maior das tiranias” (p. 57), visto que a minoria não terá a quem recorrer das injustiças. E forma sociedades mais individualistas, embora uniformizadas na maneira de viver. Uniformidade que vem a ser criticada em seguida, por transformar a sociedade numa degradação. “Massa é então a mediocridade coletiva que domina cultural e politicamente, pois os governos se convertem em órgãos das tendências e dos instintos das massas” (p.59).
Gustave Le Bon menciona que a civilização industrial não é possível sem a constituição da massa, das multidões. Fazem-se necessárias suas manifestações, suas turbulências para que torne-se visível a “alma coletiva”. Considerando este princípio, Barbero define:
“O que é massa? É um fenômeno psicológico pelo qual o indivíduo, por mais diferente que seja em seu modo de vida, suas ocupações ou seu caráter, estão dotados de uma alma coletiva que lhes faz comportarem-se de maneira completamente distinta de como o faria cada indivíduo isoladamente” (p.59-60). Estabelece também uma relação primitiva nesta alma coletiva, visto que as inibições provocadas por aspectos morais e éticos desaparecem para que façam aflorar instintos naturais, que subvertem, que afrontam leis, a ordem estabelecida.
Barbero alerta também para outro aspecto a ser considerado nas massas. Não apenas a psicológica, mas também a cultural. Segue o pensamento freudiano de que nas massas não existem apenas os instintos, mas igualmente, as produções, tais quais os idiomas, o folclore e os cantos populares.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

TECNOCULTURA E IMPERIALISMO

Parei para observar duas páginas do livro de Muniz Sodré e considerei oportuno registrar aqui aspectos da influência midiática sob o ponto de vista sociológico: como os meios atuam na formação da realidade social, desde as chamadas mídias tradicionais (ou lineares) ao novo modelo em rede, baseada na interação, nas conexões e na possibilidade de criação de espaço e tempo virtuais.
Percebe-se que existe uma relação sociológica homogênea no campo das mídias (linear e em rede), sobretudo, quanto aos impactos e aos efeitos, aí incluem os políticos, no âmbito da sociedade. E como isso se concretiza? A mídia funcionando como agendamento, a conhecida hipótese americana do agenda-setting, da Teoria Funcionalista. Muniz menciona: “A palavra agenda é, em latim, um particípio futuro passivo: “as (coisas que) devem ser feitas”. Agenda é organizar a pauta de assuntos suscetíveis de serem levados em conta individual ou coletivamente” (p.27)
A tecnocultura constitui-se como uma mudança nas formas tradicionais de sociedade, como especificado no “quarto bios”, da realidade midiatizada, da inclusão de uma nova vida a partir do virtual. Mas, Sodré esclarece que, sob o ponto de vista de poder, a tecnocultura é semelhante à midia tradicional sob aspectos político-imperalista. A tecnocultura também é um vetor da globalização ou neoliberalismo e do capitalismo no Ocidente, submetendo-se aos princípios hegemônicos dos Estados Unidos. Tal hegemonia caracteriza-se pela capacidade norte-americana de pautar a agenda midiática no Ocidente e oferecer produtos desta economia baseados na mídia.
Esta postura imperalista norte-americana ampliou-se na virada do milênio, com a expansão do neoliberalismo no mundo, dos objetos midiáticos que formatam o agendamento que apregoam sua ideologia e reforçam seu poder.
Sodré faz uma analogia interessante dos métodos aplicados por impérios em seus tempos: “Se o Império Romano dominou o mundo pela espada e pelos ritos, o Império Americano controla pelo capital e pela agenda midiática do democratismo comercial (informação, difusionismo cultural, entretenimento). Não há nada de verdadelramente “libertário” nos ritos do rock´n roll e do consumo, há tão-só coerència liberal" (p.28)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

METÁFORA DO QUARTO BIOS: “SHOW DE TRUMAN”

O quarto bios, apontado por Sodré, é exemplificado por ele mesmo no filme O Show de Truman, onde o personagem principal vê sua vida ser “compartilhada” ao mundo inteiro, em tempo real, como numa novela, através de câmeras onipresentes, controladas por técnicos e diretor de programação. No quarto bios, para Sodré, esta metáfora sinaliza para um controle social a partir das tecnologias também. Vamos ver um trecho do filme.

Sodré dá outro exemplo, além de Show de Truman, O 12o andar e A Cidade das Sombras, do quarto bios, a sociedade midiatizada a partir das tecnologias digitais. Este exemplo é realmente importante: o filme Matrix. O autor mostra que “não se trata mais de um espetáculo para a indústria cultural, nem de mídia tradicional (a televisão), mas de “realidade virtual” produzida por computação. Diferentemente do Show de Truman, aqui já se joga com a hesitação coletiva na determinação do que é original (substância) ou simulado (linguagem, discurso, informação numérica) em matéria de vida” (p.26)

QUARTO BIOS E MIDIATIZAÇÃO

É preciso entender o que Sodré expõe quando fala em “espelho” (que dá nome ao seu livro). No capítulo “Ethos Midiatizado”, o autor mostra uma alteração na mídia tradicional (ou “linear”, a exemplo da TV e do cinema) onde as imagens são representadas realisticamente (como a retórica da hipotipose - descrição pitoresca de um evento) para a audiência externa. Na nova mídia digital, o usuário pode inserir-se nesta realidade, trocando a contemplação da representação pela participação direta.
O espelho midiático não é uma mera reprodução, reflexo, porque envolve uma nova forma de vida, onde os indivíduos são incluídos, com características diferentes de espaço e tempo, em relação à midia linear. Não pode esquecer: a nova vida aontada por Sodré está diretamente ligada à intervenções na dimensão espaço-tempo (como no conceito pós-modernista). Uma nova configuração social a partir da bios virtual, uma realidade não-conflitante com a real-histórico, o real tradicional.
Inclusive, na entrevista à revista da Fapesp, Sodré discorda do pensamento de Bourdieu acerca desta realidade, denominada de vida plasmada, vida idealizada. “Não acho que se trata de arrolar os efeitos catastróficos da televisão (que é o principal meio síntese imagem do século passado) sobre a realidade tradicional. Acho que se trata agora de identificar uma nova forma de vida, para cuja construção concorrem transformações importantes de toda uma estrutura social básica.”, afirmou o autor.
Como o espelho midiático não traduz-se em reflexo puro da realidade, mas há condicionantes que agem sobre esta reflexão e que esta por sua vez, agem no campo da vida social. Ou seja, o espelho também se configura como um processo de mediação na sociedade. Esta “midiatização”, com base na atual tecnologia, está inserida num campo social de “interatividade absoluta e conectividade permanente” (p.24). O artigo“Visibilidade midiática: entre estratégias das instituições e estratégias dos sujeitos”, de Eugenia Mariano da Rocha Barichello e Daiane Scheid explicam o pensamento de midiatização de Sodré, em que a “sociedade contemporânea rege-se pela midiatização, quer dizer, pela tendência à virtualização ou telerrealização das relações humanas” (p.4).
A midiatização é o quarto bios, além dos três exemplificados por Aristóteles, uma “tecnologia de sociabilidade”, uma nova forma de vida, intensamente tecnológica. E não esquecer: com influências diretas relação tempo e espaço.

BIOS VIRTUAL DE MUNIZ SODRÉ


O aspecto da mudança na comunicação nas últimas duas décadas, sobremodo na passagem do século, tem caracterizado o primeiro capítulo do livro do professor Muniz Sodré (“Antropológica do Espelho” - foto ao lado). Especialmente, neste período, a informação recebe uma variedade de formas (sons, imagens, dígitos) e transformam-se em produtos num mundo globalizado (para não dizer, moldado pelo neoliberalismo). O cenário leva o nome de “sociedade da informação” e, com o advento da internet, esta sociedade se dinamizou.
A internet insere-se no campo tecnológico que levou muitos a tratá-la como a grande invenção da virada do século, compadada à imprensa, aos tipos móveis de Gutenberg. A mudança comportamental em pessoas e instituições provocadas pela rede lembra uma “revolução”, a “Revolução da Informação” – como um segundo momento, após a Revolução Industrial –, que Sodré não concorda. muito: “As transformações tecnológicas da informação mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas do poder, embora possam aqui e ali agilizar o que, dentro dos parâmetros liberais, se chamaria “democratização” (p. 13).
Muniz acredita que o melhor termo seria “mutação tecnológica”, por “não se tratar de uma descoberta linearmente inovadora e sim, de inovação tecnológica do avanço científico”. O livro de Sodré é muito claro, com uma linguagem clara, objetiva que orienta e ao mesmo tempo contextualiza neste tempos de comunicação em rede. O autor, ainda tratando do assunto da revolução, lembra que a Revolução Industrial aproximava-se muito com a Revolução da Informação, quanto à maturação tecnológica. Cita, no entanto, que o forte da revolução industrial, que afetou costumes, a vida social, política e econômica, foi a invenção da ferrovia, na “mobilidade espacial”. Assemelha-se com a virtual, com a distribução de bens e da “ilusão da ubiquidade humana”. (p.14)
A semelhança não está tão somente no aspecto logísitico da informação (visto que passa a ser também um fator preponderante na sociedade da informação), uma infra-estrutura para a condução informacional, chamada por Sodré de “infovias”, mas um reordenamento mercadológico no mundo inteiro. A unificação da sociedade em rede transformou a vida do homem em suas relações sociais de trabalho, mas também o coloca em total vigilância, num “gigantesco dispositivo de espionagem global”.
É compreensível avaliar o pensamento de Sodré partindo do princípio do que ele chamou a nova mídia de um novo “bios”, não uma vida encarnada, mas atrelada ao conceito aristotélico de “conhecimento, prazer e política”. Muniz estabelece o quarto bios, o midiático, a vida como espectro, a virtualidade. “É real, tudo que se passa ali é real, mas não da mesma ordem da realidade das coisas.”, comentou o autor, em reportagem da revista da Fapesp.
Como a mídia é espectro, uma representação, sua realidade não é palpável, mas essencialmente discursivo. O pensamento de Sodré caminha sob a perspectiva de uma vida espectral, onde a cada dia tudo é mais visual, e, portanto, uma nova realidade, “um outro bios”. Este novo bios também reconfigura as concepções sobre jornalismo e meios de comunicação. Para Sodré, a TV, por exemplo, não age como um ator social isolado, mas suas manifestações são determinadas por fatores sociais e regionais. Ou seja, mesmo com atuação transnacional, a televisão produz efeitos específicos e regionalizados. “Enfim, no bios virtual, o objeto predomina sobre o sujeito”, afirma, na reportagem.
Baseado na ideia de simulacro, do espectro, Muniz amplia o conceito de mídia, que não baseia-se no princípio puramente do aparato técnico, mas transcende a TV, o rádio, o cinema, a internet, o jornal. Como em processo amplo de mediação (como Silvestone vê na circulação de significados, Barbero nas relações culturais), Sodré sinaliza para a mídia que atua no controle das relações sociais e o controle das novas subjetividades através das tecnologias de informação.
Portanto, vale observar este trecho da reportagem da revista da Fapesp:
“A partir de uma realidade sistêmica que foi ponto de partida e ponto de chegada das análises de Habermas, nasce essa verdadeira forma de vida que é o bios virtual. A ponta desse iceberg é o bios midiático, espécie de comunidade afetiva, de caráter técnico e mercadológico, onde impulsos digitais e imagens se convertem em prática social. É esse o objeto dessa nova ciência social chamada comunicação para Sodré.”

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CRÍTICA AO MIDIACENTRISMO

Ao me aprofundar um pouco mais sobre os estudos de Martin-Barbero e o seu maior referencial teóríco-epistemológico acerca do deslocamento de uma análise metodológica comunicacional não a partir dos meios, mas das mediações, notei maior clareza quando o próprio Barbero deixa evidente em seu livro: “A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento” (p.16). E torna-se mais compreensível este processo de descentralização ao observar o conceito de cultura abordado pelo autor.
O professor Laan Mendes de Barros aponta em seu artigo “Os Meios ou as Mediações?” apresenta o percurso interdisciplinar no pensamento de Barbero, solidificando a ideia de cultura, a partir de uma visão “antropologizada” e não tão-somente sociológica. Ou seja, ao considerar aspectos culturais sob o viés antropológico (de estudos primitivos) entende-se que cultura é tanto a oca quando quanto os parentes, tanto o machado quanto o mito (especificado por Barbero na página 13) e que, assim, a cultura não pode ser separada, descompartimentada. Sobretudo nas sociedade moderna alimentada por bens simbólicos (televisão, escola, igreja, imprensa), toda estas relações contribuem para a construção da vida social, caracterizando como uma cultura “antropologizada”. Barbero destaca essa visão visto que a sociologia, segundo ele, vê a cultura a partir de atividades e objetos, em sua maior parte, ligada às artes e às letras.
Todo este caminho socio-antropológico chega à comunicação na base crítica do “midiacentrismo”, da sociedade capitalista e dos meios de comuunicação. Base crítica, que Barros considera até mesmo refutações, ao direcionamento marxista, elitista (nos estudos da Indústria Cultural) da Escola de Frankfurt. É neste pavimento entre cultura e comunicação que o pensamento de Barbero se insere.
O deslocamento proposto é o diferencial dos estudos apresentados por Martin-Barbero na comunicação latinoamericana. E tais estudos culturais, cujo deslocamento sinzliza para o campo das recepções tem influenciado outros autores (não apenas na América Latina), mas também em outros continentes. Por isso, que ao falar de Barbero faz-se imprescindível observar cultura (linha sócio-antropológica), deslocamento teórico- metodológico de atenção da pesquisa dos meios para as mediações (crítica ao midiacentrismo predominante no pensamento dos estudos comunicacionais latinoamericanos), mediações como cultura social, mas também como produção de significado (numa associação ao pensamento de Silverstone) e confronto com o funcionalismo hegemônico na comunicação (marxismo, indústria cultural e Teoria Crítica).