Dois momentos precisam ser considerados quando do surgimento dos chamados Estudos Culturais, espécie de subdisciplina acadêmica originada na Inglaterra. O primeiro momento nasce com as obras de Richard Hoggart, “The Uses of Literacy” e Raymond Williams, “Culture and Society 1780-1950”, ambas lançadas em meados do século passado e que observam o comportamento social sobre questões culturais na sociedade de massa (Hoggart) e mudanças na vida social, política e econômica (Williams). O segundo é ligado ao trabalho de E. P. Thompson, “A Formação da Classe Operária Inglesa” que, embora tenha uma afinidade com a linha marxista quanto a aspectos de trabalho e de economia, observa o âmbito cultural e sociológico. Estes três trabalhos, como aponta Stuart Hall (foto), “constituíram a cesura da qual - entre outras coisas - emergiram os Estudos Culturais” (2003, p.133).
Hall distingue este momento como sendo de ruptura e considera que as obras, mesmo abrindo o caminho para os Estudos Culturais, não foram concebidas com a finalidade de estabelecer uma nova fronteira epistemológica. A intenção baseava-se em oferecer uma reflexão sobre a sociedade da época, por esta razão, a cultura começou a ser proposta a partir de alterações sociais com ênfase na indústria, nas relações de trabalho, na política e também nas artes. Nota-se que tais estudos seminais acerca da cultura sinalizam para um conceito amplo, que como Hall esclarece, “relaciona à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem às suas experiências comuns”. (2003, p.135).
O texto de Hall apresenta uma evolução dos Estudos Culturais britânicos desde o aparecimento de uma corrente denominada de culturalistas (que observa as manifestações distintas e ao mesmo tempo generalizadas da sociedade, num processo que cria as “convenções e instituições”) e de estruturalistas (que estabeleceu uma interrelação da cultura em sintonia com o conceito de base, estrutura e superestrutura de Marx). Ao deter-se neste pensamento estruturalista da cultura, é possível notar a influência econômica e de outras variantes sociais, inclusive a ideologia, na formação desta cultura. Hall mostra que “as intervenções estruturalistas foram amplamente articuladas em torno desse conceito: em concordância com sua linhagem mais impecavelmente marxista, “cultura” não figura aí tão proeminentemente” (2003, p. 144).
A linhagem estruturalista, sustentada em Marx, carrega também o espírito do determinismo, deixando de lado as alterações sociais por enquadrar a sociedade em um molde estanque, absorvido pelo econômico e pelo ideológico, que contraria o pensamento culturalista. Não se pode negar que os culturalistas também consideravam as questões ideológicas na cultura, mas “ele de fato não se situa no centro de seu universo conceitual” (2003, p. 152).
Os Estudos Culturais avançaram e arregimentaram pesquisadores em outros continentes. No Brasil desembarcaram a partir de três momentos. O primeiro deles foi a tradução para o português a obra “Cultura e Sociedade” de Raymond Willians em 1970. O segundo, o lançamento do livro “Dos Meios às Mediações” de Jesús Martín-Barbero e a difusão das ideias de outros autores como Néstor García Canclini. Outros nomes emergem na atualidade para os Estudos Culturais Criticos, como o americano Douglas Kellner.
Um nome especial no Brasil precisa ser mencionado, o do pesquisador Renato Ortiz (foto acima), considerado um dos maiores expoentes nos Estudos Culturais, embora ele mesmo tenha se surpreendido com tal status. Ortiz detalha que a entrada destes estudos no Brasil aconteceu “pelas bordas” e que a comunicação não era mencionada nestes estudos, mesmo valorizando a multidisciplinaridade a partir da sociologia, antropologia e literatura. O autor critica a “universalidade” dos Estudos Culturais, ao dizer que “são fruto de uma conjuntura específica, sobretudo norte-americana, e dificilmente poderiam reproduzir-se no Brasil e na América Latina da mesma maneira” (2004, p. 126).
Sob um outro viés, não desconsiderando o volume da produção social que estabelece a cultura, Baitello esclarece sua visão sobre a cultura como um universo simbólico que se harmoniza em três instâncias (nível biológico, nível de interações sociais e o nível dos códigos culturais, que se intercomunicam) e a importância da Semiótica da Cultura para dar conta de interpretar a relação entre estes três “códigos” (também são denominados desta forma), “levando em conta a existência de códigos anteriores aos da própria cultura” (1999, p. 41).
A infografia pode ser um elemento importante se colocado diante da Semiótica da Cultura, porque poderia considerar aspectos de uma sociedade – condicionada a interpretar os códigos que compõem os infográficos – e compreender o contexto para que este instrumento fosse inserido nesta sociedade. Como trata-se de uma prática do jornalismo na América Latina, especialmente no Brasil, entende-se que partiu da cultura. Baitello mostra que elementos culturais se “constroi no diálogo, na operação interativa entre seus componentes subtextuais, no diálogo entre os signos e dos signos com seu próprio percurso histórico” (1999, p.42). Em si, a Semiótica da Cultura pode revelar caminhos para entender como o desenho, as imagens e as representações de linguagem que compõem a infografia foram inseridas no jornalismo.
REFERÊNCIAS
HALL, Stuart. Estudos culturais: dois paradigmas. In: ____. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 131-159.
ORTIZ, Renato. Estudos culturais. Tempo soc. [online]. 2004, vol.16, n.1, pp. 119-127. ISSN 0103-2070. doi: 10.1590/S0103-20702004000100007.
BAITELLO JR., Norval. II. Cultura como sistema semiótico; III. O conceito do texto da cultura. In: ____. O animal que parou os relógicos. São Paulo: Annablume, 1999, p. 23-42.
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