Observando o texto de Muniz Sodré, “Eticidade, Campo Comunicacional e Midiatização”, onde estas questões foram incluídas no livro “Antropológica do Espelho”, é importante fazer uma relação do conceito de midiatização com a ideia de espelho. O autor mostra uma alteração na mídia tradicional (ou “linear”, a exemplo da TV e do cinema) onde as imagens são representadas realisticamente para a audiência externa. Na nova mídia digital, o usuário pode inserir-se nesta realidade, trocando a contemplação da representação pela participação direta.
O espelho midiático não é uma mera reprodução, reflexo, porque envolve uma nova forma de vida, onde os indivíduos são incluídos, com características diferentes de espaço e tempo, em relação à midia linear. Não pode esquecer: a nova vida apontada por Sodré está diretamente ligada à intervenções na dimensão espaço-tempo (como no conceito pós-modernista). Uma nova configuração social a partir da bios virtual, uma realidade não-conflitante com a real-histórico, o real tradicional.
O espelho midiático não traduz-se em reflexo puro da realidade, mas há condicionantes que agem sobre esta reflexão e que esta por sua vez, agem no campo da vida social. Ou seja, o espelho também se configura como um processo de mediação na sociedade. Esta “midiatização”, com base na atual tecnologia, está inserida num campo social de “interatividade absoluta e conectividade permanente” (SODRÉ, 2006, p.24). A midiatização é o quarto bios, além dos três exemplificados por Aristóteles, uma “tecnologia de sociabilidade”, uma nova forma de vida, intensamente tecnológica. E não esquecer: com influências diretas de relação tempo e espaço.
O princípio de midiatização de Sodré se alinha ao pensamento de Fausto Neto, que observou o processo de evolução da sociedade dos meios para a sociedade midiatizada. E para o autor este é o resultado que provocou alterações nas composições sociais e nas interações, por fatores tecnológicos (que remetem à linha tecnodeterminante proposta por Bernard Miège). Fausto Neto oferece no texto “Fragmentos de uma analítica da midiatização”, conceitos que servem para esclarecer o que ele chama de “fenômeno” da midiatização: Sodré considera um novo bios – o bios midiático. Gomes estabelece uma “nova ambiência” também assinalada por Sodré. Braga é citado acerca da “processualidade interacional de referência”, o sistema de resposta, e Verón trata das “complexas interações entre mídias, instituições e indivíduos, resultando em processos de afetações não-lineares”.
O ponto inicial do texto de Fausto Neto é seguido por exemplificações da “analítica da midiatização”, considerando sempre dispositivos tecno-discursivos inseridos na cultura midiática. Como por exemplo, as “transformações da “topografia jornalística” como espaço organizador do contato”, com exposições dos atores do processo produtivo e de fases das rotinas do jornal; a “auto-referencialidade do processo produtivo, na intenção das organizações de produzir um discurso auto-referencial; a “auto-reflexividade posta em ato”; e por fim, as “estratégias de protagonização do leitor”, utilizando os receptores como co-operadores da enunciação e do trabalho
José Luiz Braga, em “Sobre Mediatização como processo interacional de referência” aponta que o conceito pode se relacionado tanto no âmbito da midiatização dos processos sociais seguindo lógicas da mídia, quanto da midiatização da própria sociedade. É seguindo a primeira que observo espaço para estudar o processo de “midiatização” nas empresas jornalísticas, que provocou transformações na produção e no uso dos infográficos em jornais latinoamericanos. A midiatização neste processo também se deve a fatores técnicos, uso de novas tecnológias na produção e necessidade de leitores de utilizar de tecnologias de comunicação para ter acesso ao conteúdo destes infográficos.
O estudo obedeceria a parâmetros de evolução da infografia interativa nos jornais latinoamericanos tanto sob aspectos de mudanças de produção nas empresas quanto na inclusão de elementos multimidiáticos neste instrumento.
Ao deixar as midiatizações e seguir para as mediações, é importante aplicar a visão de Martin-Barbero. Ao me aprofundar um pouco mais sobre os seus estudos e o seu maior referencial teóríco-epistemológico acerca do deslocamento de uma análise metodológica comunicacional não a partir dos meios, mas das mediações, notei maior clareza quando o próprio Barbero deixa evidente em seu livro: “A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento” (2003, p.16). E torna-se mais compreensível este processo de descentralização ao observar o conceito de cultura abordado pelo autor.
O deslocamento proposto é o diferencial dos estudos apresentados por Martin-Barbero na comunicação latinoamericana. E tais estudos culturais, cujo deslocamento sinaliza para o campo das recepções tem influenciado outros autores (não apenas na América Latina), mas também em outros continentes. Signates, no entanto, mostra que a principal obra de Barbero, “Dos Meios às Mediações”, não define claramente o conceito de mediações. Mesmo caminhando por outros autores como Raymond Williams e Orozco Gomes, Signates conclui que “permanece a dúvida inicial sobre o grau de precisão teórica e de aplicabilidade empírica ao conceito de mediação” (2006, p.75).
REFERÊNCIAS
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In:SOUSA, Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: USP Brasiliense, 1995, p. 39-68.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Traduzido por Ronald Polito; Sérgio Alcides. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003
SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação e sua validade como categoria de análise para os estudos de comunicação. IN: SOUSA, Mauro W. Recepção mediática e espaço público. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 55-79.
SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. IN: MORAES, Denis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p. 19-49.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2009.
FAUSTO NETO, Antonio. “Fragmentos de uma ‘analítica’ da midiatização”, In: Matrizes, São Paulo, Vol 1, No 2, pp. 89-105, 2007.
BRAGA, José Luiz . Sobre mediatização como processo interacional de referência. In: 15º Encontro Anual da Compós, 2006, Bauru/SP. Anais. XV Encontro Anual da Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006. v. 1. p. 1-16.
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