domingo, 29 de maio de 2011

MIDIOLOGIAS I


É pertinente iniciar esta abordagem a partir do pensamento de Marshall McLuhan (acima) acerca do que ele denominou de “artefatos humanos”, das ferramentas primitivas à mídia eletrônica, considerando serem as extensões dos indivíduos ou como Hans Hass aponta, traduz-se no resultado da capacidade humana de “criar órgãos adicionais”. Este órgãos ou artefatos podem ser “língua, leis, ideias, hipóteses, ferramentas, vestuário, computadores”, permitindo vantagens como não terem necessidade de nutrição, de poderem ser guardadas ou descartadas e apresentarem caracteristicas intercambiáveis. Aí vale citar o exemplo apontado por Hass no texto de McLuhan de que as extensões permitem o desempenhar de vários papéis, funções, de “forma que, quando ele (o indivíduo) empunha uma lança, é caçador, e quando manobra um remo, é navegante” (2005, p.335).
Mas, a preocupação de McLuhan ante estas extensões é com seus efeitos, que por trazer consigo todo significado das simbologia humana, tem um caráter destrutivo, visto que o homem não estaria devidamente equipado para enfrentar suas consequências. Tal preocupação o levou à abordagem e visões acerca do funcionamento, ações dos artefatos sobre a sociedade, configurando as “Leis da Mídia”, a serem incluídas em livro. Basicamente, McLuhan estabeleceu questões que acreditava formatar uma espécie de conceituação metodológica capaz de compreender os
efeitos. São quatro perguntas: o que a tecnologia amplifica, melhora ou aumenta?; o que ela torna obsoleto?; o que ela resgata ou recupera de um passado distante? (algo que foi rejeitado); o que ela transforma ou inverte subitamente quando levada a seus limites?.
Diante de vários exemplos apontados no texto “O homem e os meios de comunicação’, de 1979, McLuhan compatibiliza a mídia eletrônica em seu método que abarca as quatro questões de “melhoria, obsolescência, recuperação e reversão”. A mídia eletrônica tanto amplifica o raio de atuação da informação, quanto o visual (não sob o ponto de vista estético, mas sob o aspecto presencial), possibilitando, além da maior difusão informacional, o surgimento do “homem eletrônico”, sem corpo. McLuhan alerta para as consequências deste fenômeno: “A implicação de uma existência desencarnada, incorpórea, no mundo da informação é algo para o qual nosso sistema de educação não nos preparou” (p.341).
Ao comparar realidades distintas vividas pela sociedade, a primitiva e a civilizada, McLuhan descreve uma civilização construída com base no alfabeto, proporcionando uma leitura diferente do mundo, uma “
apreensão não-acústica” das sociedades primitivas. O autor evita estabelecer juízo de valor sobre estas sociedades, apenas apontando que o “homem visual, com sua propensão racional e agressiva, foi inventado pelo alfabeto visual” (p.350).

Uma sociedade formada e condicionada pelo alfabeto como elemento de interpretação e significação do mundo, remete ao texto de Vílem Flusser (foto ao lado), “O Mundo
Codificado”. O alfabeto é um código e os códigos, em geral, resultam do impacto da revolução da comunicação na sociedade. Ou seja, os indivíduos vivem num mundo sígnico, de elementos bidimensionais, repleto de cores no atual entorno, com proposta de comunicar algo, de transmitir algo. Flusser considera que há, atualm
ente, um aumento da importância destes códigos bidimensionais frente aos unidimensionais, a exemplo do alfabeto.
Seria como se a humanidade estivesse retornando à origem do que já foi percorrido, visto que antes da invenção da escrita, ela se comunicava através de imagens. Flusser mostra que, nem com o advento da escrita, as imagens perderam sua função de significação, embora a escrita tenha conseguido se impor com o passar do tempo. A comunicação é, considerando estes pontos, uma substituição, em que os “homens têm de se entender mutuamente por meio dos códigos” (2007, p.130).
Esta relação sígnica do homem com o mundo, compreensível segundo códigos bidimensionais ou unidimensionais, possibilita fazer um tensionamento com o uso dos infográficos na transmissão de informação, por seu caráter imagético, repleto de códigos convencionados que são expostos aos leitores que seguem um percurso linear para ser apreendido (assim como imagens primitivas), ou seja, a diacronização da sincronicidade. Ela possibilita que o infográfico se estabeleça como narrativa, um instrumento capaz de sistematizar e representar um dado evento.

Mas, ao confrotar o pensamento das “Capilaridades da Comunicação” de Baitello Jr (foto) com a ampliação dos códigos bidimensionais de Flusser, percebe-se a definição de um novo conceito, o neoanalfabetismo civilizado”, que para Baitello, “declina evidentemente a escrita alfabética elaborada, mas não a escrita como um todo, que se contamina e transforma regressivamente em escrita neopictogramática ou em alfabetos neoideogramáticos de fácil assimilação, mais amigáveis ao tempo veloz, menos exigentes em sua aprendizagem, mais simples em sua imediatez e sobretudo, aptos a gerar leitores com crescente simplicidade”. (2010, p.110). O autor critica este processo e cita que o jornalismo utiliza de “estratégias de emburrecimento” (termo criado por Wertheimer e Zima), ao enfatizar a utilização de elementos como ilustrações, gráficos, manchetes, textos curtos, frases curtas. Ou seja, a infografia, um instrumento de linguagem bidimensional para uma civilização cada vez mais visual, dependentes de códigos para apreensão do mundo, se configura também como uma peça estratégica de enburrecimento e do neoanalfabetismo civilizado de Baitello.


REFERÊNCIAS
McLUHAN, Marshall. O homem e os meios de comunicação (1979). In: ____. McLuhan por McLuhan: entrevistas e conferências inéditas do profeta da globalização. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 326-351.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. In: ____. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 126-137.
BAITELLO JR., Norval. As capilaridades da comunicação. In: ____. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 103-120.

domingo, 22 de maio de 2011

TEORIAS DA MEDIAÇÃO E DA MEDIATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Os temas midiatização e mediação já foram abordados neste blog, a partir da visão de alguns teóricos, mas cabe fazer uma nova reflexão a partir de uma análise mais resumida destes conceitos e abordagens.
Observando o texto de Muniz Sodré, “Eticidade, Campo Comunicacional e Midiatização”, onde estas questões foram incluídas no livro “Antropológica do Espelho”, é importante fazer uma relação do conceito de midiatização com a ideia de espelho. O autor mostra uma alteração na mídia tradicional (ou “linear”, a exemplo da TV e do cinema) onde as imagens são representadas realisticamente para a audiência externa. Na nova mídia digital, o usuário pode inserir-se nesta realidade, trocando a contemplação da representação pela participação direta.
O espelho midiático não é uma mera reprodução, reflexo, porque envolve uma nova forma de vida, onde os indivíduos são incluídos, com características diferentes de espaço e tempo, em relação à midia linear. Não pode esquecer: a nova vida apontada por Sodré está diretamente ligada à intervenções na dimensão espaço-tempo (como no conceito pós-modernista). Uma nova configuração social a partir da bios virtual, uma realidade não-conflitante com a real-histórico, o real tradicional.
O espelho midiático não traduz-se em reflexo puro da realidade, mas há condicionantes que agem sobre esta reflexão e que esta por sua vez, agem no campo da vida social. Ou seja, o espelho também se configura como um processo de mediação na sociedade. Esta “midiatização”, com base na atual tecnologia, está inserida num campo social de “interatividade absoluta e conectividade permanente” (SODRÉ, 2006, p.24). A midiatização é o quarto bios, além dos três exemplificados por Aristóteles, uma “tecnologia de sociabilidade”, uma nova forma de vida, intensamente tecnológica. E não esquecer: com influências diretas de relação tempo e espaço.
O princípio de midiatização de Sodré se alinha ao pensamento de Fausto Neto, que observou o processo de evolução da sociedade dos meios para a sociedade midiatizada. E para o autor este é o resultado que provocou alterações nas composições sociais e nas interações, por fatores tecnológicos (que remetem à linha tecnodeterminante proposta por Bernard Miège). Fausto Neto oferece no texto “Fragmentos de uma analítica da midiatização”, conceitos que servem para esclarecer o que ele chama de “fenômeno” da midiatização: Sodré considera um novo bios – o bios midiático. Gomes estabelece uma “nova ambiência” também assinalada por Sodré. Braga é citado acerca da “processualidade interacional de referência”, o sistema de resposta, e Verón trata das “complexas interações entre mídias, instituições e indivíduos, resultando em processos de afetações não-lineares”.

O ponto inicial do texto de Fausto Neto é seguido por exemplificações da “analítica da midiatização”, considerando sempre dispositivos tecno-discursivos inseridos na cultura midiática. Como por exemplo, as “transformações da “topografia jornalística” como espaço organizador do contato”, com exposições dos atores do processo produtivo e de fases das rotinas do jornal; a “auto-referencialidade do processo produtivo, na intenção das organizações de produzir um discurso auto-referencial; a “auto-reflexividade posta em ato”; e por fim, as “estratégias de protagonização do leitor”, utilizando os receptores como co-operadores da enunciação e do trabalho
José Luiz Braga, em “Sobre Mediatização como processo interacional de referência” aponta que o conceito pode se relacionado tanto no âmbito da midiatização dos processos sociais seguindo lógicas da mídia, quanto da midiatização da própria sociedade. É seguindo a primeira que observo espaço para estudar o processo de “midiatização” nas empresas jornalísticas, que provocou transformações na produção e no uso dos infográficos em jornais latinoamericanos. A midiatização neste processo também se deve a fatores técnicos, uso de novas tecnológias na produção e necessidade de leitores de utilizar de tecnologias de comunicação para ter acesso ao conteúdo destes infográficos.
O estudo obedeceria a parâmetros de evolução da infografia interativa nos jornais latinoamericanos tanto sob aspectos de mudanças de produção nas empresas quanto na inclusão de elementos multimidiáticos neste instrumento.
Ao deixar as midiatizações e seguir para as mediações, é importante aplicar a visão de Martin-Barbero. Ao me aprofundar um pouco mais sobre os seus estudos e o seu maior referencial teóríco-epistemológico acerca do deslocamento de uma análise metodológica comunicacional não a partir dos meios, mas das mediações, notei maior clareza quando o próprio Barbero deixa evidente em seu livro: “A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento” (2003, p.16). E torna-se mais compreensível este processo de descentralização ao observar o conceito de cultura abordado pelo autor.
O deslocamento proposto é o diferencial dos estudos apresentados por Martin-Barbero na comunicação latinoamericana. E tais estudos culturais, cujo deslocamento sinaliza para o campo das recepções tem influenciado outros autores (não apenas na América Latina), mas também em outros continentes. Signates, no entanto, mostra que a principal obra de Barbero, “Dos Meios às Mediações”, não define claramente o conceito de mediações. Mesmo caminhando por outros autores como Raymond Williams e Orozco Gomes, Signates conclui que “permanece a dúvida inicial sobre o grau de precisão teórica e de aplicabilidade empírica ao conceito de mediação” (2006, p.75).


REFERÊNCIAS
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In:SOUSA, Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: USP Brasiliense, 1995, p. 39-68.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Traduzido por Ronald Polito; Sérgio Alcides. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003
SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação e sua validade como categoria de análise para os estudos de comunicação. IN: SOUSA, Mauro W. Recepção mediática e espaço público. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 55-79.
SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. IN: MORAES, Denis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p. 19-49.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2009.
FAUSTO NETO, Antonio. “Fragmentos de uma ‘analítica’ da midiatização”, In: Matrizes, São Paulo, Vol 1, No 2, pp. 89-105, 2007.
BRAGA, José Luiz . Sobre mediatização como processo interacional de referência. In: 15º Encontro Anual da Compós, 2006, Bauru/SP. Anais. XV Encontro Anual da Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006. v. 1. p. 1-16.

domingo, 15 de maio de 2011

PERSPECTIVAS CULTURAIS DOS PROCESSOS MIDIÁTICOS

Dois momentos precisam ser considerados quando do surgimento dos chamados Estudos Culturais, espécie de subdisciplina acadêmica originada na Inglaterra. O primeiro momento nasce com as obras de Richard Hoggart, “The Uses of Literacy” e Raymond Williams, “Culture and Society 1780-1950”, ambas lançadas em meados do século passado e que observam o comportamento social sobre questões culturais na sociedade de massa (Hoggart) e mudanças na vida social, política e econômica (Williams). O segundo é ligado ao trabalho de E. P. Thompson, “A Formação da Classe Operária Inglesa” que, embora tenha uma afinidade com a linha marxista quanto a aspectos de trabalho e de economia, observa o âmbito cultural e sociológico. Estes três trabalhos, como aponta Stuart Hall (foto), “constituíram a cesura da qual - entre outras coisas - emergiram os Estudos Culturais” (2003, p.133).
Hall distingue este momento como sendo de ruptura e considera que as obras, mesmo abrindo o caminho para os Estudos Culturais, não foram concebidas com a finalidade de estabelecer uma nova fronteira epistemológica. A intenção baseava-se em oferecer uma reflexão sobre a sociedade da época, por esta razão, a cultura começou a ser proposta a partir de alterações sociais com ênfase na indústria, nas relações de trabalho, na política e também nas artes. Nota-se que tais estudos seminais acerca da cultura sinalizam para um conceito amplo, que como Hall esclarece, “relaciona à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem às suas experiências comuns”. (2003, p.135).
O texto de Hall apresenta uma evolução dos Estudos Culturais britânicos desde o aparecimento de uma corrente denominada de culturalistas (que observa as manifestações distintas e ao mesmo tempo generalizadas da sociedade, num processo que cria as “convenções e instituições”) e de estruturalistas (que estabeleceu uma interrelação da cultura em sintonia com o conceito de base, estrutura e superestrutura de Marx). Ao deter-se neste pensamento estruturalista da cultura, é possível notar a influência econômica e de outras variantes sociais, inclusive a ideologia, na formação desta cultura. Hall mostra que “as intervenções estruturalistas foram amplamente articuladas em torno desse conceito: em concordância com sua linhagem mais impecavelmente marxista, “cultura” não figura aí tão proeminentemente” (2003, p. 144).
A linhagem estruturalista, sustentada em Marx, carrega também o espírito do determinismo, deixando de lado as alterações sociais por enquadrar a sociedade em um molde estanque, absorvido pelo econômico e pelo ideológico, que contraria o pensamento culturalista. Não se pode negar que os culturalistas também consideravam as questões ideológicas na cultura, mas “ele de fato não se situa no centro de seu universo conceitual” (2003, p. 152).
Os Estudos Culturais avançaram e arregimentaram pesquisadores em outros continentes. No Brasil desembarcaram a partir de três momentos. O primeiro deles foi a tradução para o português a obra “Cultura e Sociedade” de Raymond Willians em 1970. O segundo, o lançamento do livro “Dos Meios às Mediações” de Jesús Martín-Barbero e a difusão das ideias de outros autores como Néstor García Canclini. Outros nomes emergem na atualidade para os Estudos Culturais Criticos, como o americano Douglas Kellner.














Um nome especial no Brasil precisa ser mencionado, o do pesquisador Renato Ortiz (foto acima), considerado um dos maiores expoentes nos Estudos Culturais, embora ele mesmo tenha se surpreendido com tal status. Ortiz detalha que a entrada destes estudos no Brasil aconteceu “pelas bordas” e que a comunicação não era mencionada nestes estudos, mesmo valorizando a multidisciplinaridade a partir da sociologia, antropologia e literatura. O autor critica a “universalidade” dos Estudos Culturais, ao dizer que “são fruto de uma conjuntura específica, sobretudo norte-americana, e dificilmente poderiam reproduzir-se no Brasil e na América Latina da mesma maneira” (2004, p. 126).
Sob um outro viés, não desconsiderando o volume da produção social que estabelece a cultura, Baitello esclarece sua visão sobre a cultura como um universo simbólico que se harmoniza em três instâncias (nível biológico, nível de interações sociais e o nível dos códigos culturais, que se intercomunicam) e a importância da Semiótica da Cultura para dar conta de interpretar a relação entre estes três “códigos” (também são denominados desta forma), “levando em conta a existência de códigos anteriores aos da própria cultura” (1999, p. 41).
A infografia pode ser um elemento importante se colocado diante da Semiótica da Cultura, porque poderia considerar aspectos de uma sociedade – condicionada a interpretar os códigos que compõem os infográficos – e compreender o contexto para que este instrumento fosse inserido nesta sociedade. Como trata-se de uma prática do jornalismo na América Latina, especialmente no Brasil, entende-se que partiu da cultura. Baitello mostra que elementos culturais se “constroi no diálogo, na operação interativa entre seus componentes subtextuais, no diálogo entre os signos e dos signos com seu próprio percurso histórico” (1999, p.42). Em si, a Semiótica da Cultura pode revelar caminhos para entender como o desenho, as imagens e as representações de linguagem que compõem a infografia foram inseridas no jornalismo.

REFERÊNCIAS
HALL, Stuart. Estudos culturais: dois paradigmas. In: ____. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 131-159.
ORTIZ, Renato. Estudos culturais. Tempo soc. [online]. 2004, vol.16, n.1, pp. 119-127. ISSN 0103-2070. doi: 10.1590/S0103-20702004000100007.
BAITELLO JR., Norval. II. Cultura como sistema semiótico; III. O conceito do texto da cultura. In: ____. O animal que parou os relógicos. São Paulo: Annablume, 1999, p. 23-42.

domingo, 8 de maio de 2011

PERSPECTIVAS DISCURSIVAS DOS PROCESSOS MIDIÁTICOS

“Nenhuma informação pode pretender, por definição, à transparência, à neutralidade ou à factualidade”. Partindo de uma frase do texto de Charaudeau (2006, p.42, foto) é possível verificar a complexidade da informação, mitificada e simplificada pelo senso comum e apresentada por veículos de comunicação como um discurso propagandista, acreditando ser possível dar um tratamento isento, imparcial junto à audiência. O autor aponta esta intenção midiática de se autolegitimar como a mais competente no trato com a informação.
A informação traz em sua essência a subjetividade e os discursos, embora existam os que creem na informação de caráter apartidário, o que na visão de Charaudeau é um avaliação ingênua. Ingênua porque transformaria a informação em apenas um elemento inserido em uma socidade tecnicista, como na contestada Teoria da Informação. Por esta abordagem teórica, a relação emissor-receptor na transferência da mensagem foi a base dos estudos da teoria informacional, desde Shannon e Weaver (1945), quando sua Teoria Matemática da Informação destinava-se tão somente analisar o sistema de transmissão da informação via canais físicos, como telégrafo, telefone e rádio.
O objetivo das pesquisas era observar a quantidade de informação transmitida por um canal, considerando outros aspectos como falhas e distorções. A finalidade era determinar numericamente a porção de informação recebida pelo usuário. Nota-se que tal processo visava uma finalidade técnica, cuja essência passou a ser empregada por outros campos de estudo.
A Teoria da Informação estruturou o esquema baseado na fonte de Informação-canal-recepção, justaposto para outras áreas de conhecimento como as ciências humanas. Mas, o modelo, em si é inocente como aponta Charaudeau, por desconsiderar aspectos sistêmicos da linguagem, da construção da informação. No processo de transmissão da informação, o emissor precisa interpretar os dados que ao serem encaminhados ao receptor necessariamente não significará que a sua interpretação será a mesma da origem. Tal procedimento não passa de um modelo fechado “instaurando uma relação simétrica entre a atividade do emissor, cuja função seria “codificar” a mensagem, e a do receptor, cuja função seria “decodificar” a mesma mesma mensagem” (p.35)
Sob aspectos da mídia, a informação é a matéria-prima da notícia e para que este produto seja comercializado para o maior número possível de indivíduos, é feito o uso de vários tipos de discurso com a finalidade de alcançar seus objetivos. Para isso são utilizados os discursos informativo (voltado à transmitir o saber), o propagandista (para seduzir e persuadir o alvo), o científico (que exige uma prova racional), o didático (com o objetivo da explicação).
Ao ler este texto e estabelecendo um tensionamento com o objeto de pesquisa (os infográficos), nota-se que há uma imbricação do discurso informativo e didático com a finalidade de ofertar a informação para uma maior quantidade possível de indivíduos. Para que isso seja possível, cumpre-se a atividade da “vulgarização”, que como assinala Charaudeau “é, por definição, deformante”. Transmitir a informação de maneira que possa ser compreendida pela maioria das pessoas. Embora a vulgarização seja mais evidente na televisão, Charaudeau não exime a imprensa e o rádio deste processo.
Surge uma questão: a infografia, por seu caráter explicativo, estaria enquadrado neste processo de vulgarização, considerando que Sancho (2000 apud CAIRO, 2008, p.21) define infografia como “uma contribuição jornalística, realizada com elementos icônicos e tipográficos, que permite ou facilita a compreensão dos acontecimentos, (...) e acompanha ou substitui o texto informativo”? Observando o texto de Charaudeau, sim, entendendo que o objeto ajusta-se num “quadro de inteligibilidade acessível” (p.62). A informação infográfica é, por assim dizer, deformante?
Vulgarizar, facilitar a transmissão da informação, implica também na transferência de conteúdo simbólico. Este conteúdo é assimilado pela audiência/leitor através dos signos linguísticos, da estrutura da linguagem (ou, para a semiologia, sistemas sígnicos mais amplos). A linguística é a base do estruturalismo e, como aponta Mattelart “tem a tarefa de estudar as regras desse sistema organizado por meio das quais se produz sentido” (1999, p.86). O discurso da mídia se faz valer do uso da linguagem e do processo simbólico, ao considerar parte do sistema semiológico de Saussure e Barthes: “significante-significado e denotação-conotação”. Althusser (foto ao lado) vê a mídia, ainda, como o que ele denominou de “aparelhos significantes”, que têm como função “garantir e perpetuar o monopólio da violência simbólica” (p.95).
Foucault considera a mídia, ou o “dispositivo visual”, “um modo de organizar o espaço, controlar o tempo, vigiar continuamente o indivíduo e assegurar a produção positiva de comportamento” (p.98). Assim, é possível fazer uma relação da televisão com o panóptico, da figura que consegue vigiar a todos, sem poder ser visto. No caso televisivo, o panóptico é invertido, e os vigiados veem sem serem vistos.
É preciso citar, dentro do estruturalismo, modelos que integram o processo do discurso e de conteúdo simbólico. Foucault estabelece uma estrutura em que observa angulações discursivas chamadas de “procedimentos de controle e de delimitação do discurso”: o comentário na sociedade (o desnivelamento do discurso), o autor (como agrupamento do discurso), disciplina (conjunto de métodos), o ritual (qualificação dos indivíduos que se expressam), sociedade do discurso (conservar e produzir), doutrina (reconhecimento de verdades e aceitação de certa regra).

REFERÊNCIAS
CAIRO, Alberto. Infografia 2.0 - visualización interactiva de información en prensa. Madrid: Alamut. 2008
MATTELART, A. & MATTELART, M. O estruturalismo. In: ____. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999, p. 86-102.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2004, p. 21-45.
CHARAUDEAU, Patrick. O que quer dizer informar. In: ____. O discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006, p. 31-63.

domingo, 1 de maio de 2011

PERSPECTIVAS SISTÊMICAS DOS PROCESSOS MIDIÁTICOS

O texto de Ronaldo Henn apresenta aspectos da Teoria Geral dos Sistemas, buscando reflexão acerca da interrelação de elementos que compõem uma unidade e fazer um tensionamento com o jornalismo. Henn aponta o caráter importante desta teoria por considerar a existência de sistemas abertos, que possibilitem trocas com o meio ambiente. E, ao abordar o pensamento de Morin acerca dos sistemas, Henn aponta para a ênfase organizacional formada a partir de interrelações destes elementos, ou “o tecido articulador do comportamento dos mais diversos sistemas” (HENN, 2002, p.20). Entende-se, portanto, existir parâmetros sistêmicos para o jornalismo, por conter componentes que se interdependem com funções específicas como captação, codificação e emissão de relatos. O que estaria fora deste âmbito é considerado como subsistema.

Mas, o próprio texto de Henn levanta um questionamento. O jornalismo pode ser considerado sistema ou um fio articulado que enquadraria-se num subsistema da Comunicação ou mesmo da sociedade? Na fronteira tênue dos sistemas, é possível com base no texto encontrar relações sistêmicas no jornalismo a partir de pontos que os caracterizam como tal, a saber: permanência, composição, identidade, complexidade, diversidade, autonomia, conectividade, estrutura, integralidade, organização e funcionalidade. Para fazer entender a relação sistêmica do jornalismo, Henn estabelece aspectos das rotinas produtivas elencando todos estes pontos apresentados.

Um dos detalhes que chamou a atenção e que faz uma relação com a abordagem de Luhmann (foto) acerca da “Improbabilidade da Comunicação” baseia-se na relação sistêmica do jornalismo como o seu meio ambiente, uma conectividade (é preciso observar sobre a angulação de sistemas abertos) constituída a partir da atuação jornalista-fonte, que por via consequente, interliga-se com outros sistemas e subsistemas, neste caso, o público (considerando também que este pode servir de fonte adentrando no processo). O movimento sistêmico do jornalismo é vivo e gera vida a outros sistemas sociais. Luhmann aponta para a ideia de não ser possível formar sistemas sociais sem a comunicação.

Morin classifica a cultura como um sistema que garante o processo comunicativo e que esta comunicação é configurada apenas por detentores de um código comum (linguagem, signos, símbolos). A cultura, como base neste sistema, é diferenciada pela experiência existencial - detentora dos código - e o “saber constituído”, ligado à padrões-modelo (que estetiza a vida). É um sistema “homem-sociedade-mundo”.

A comunicação, para Luhmann, tornou possível a transcendência espaço-temporal dos sujeitos, a ruptura destes estágios antes limitados em sistema “diretamente presente e da comunicação cara a cara” (LUHMANN, 2006, p. 47). E Luhmann também considera a sociedade como um sistema, configurados por subsistemas, também reduzidos em outro subgrupo de subsistemas, oferecendo exemplos como “família, política, economia, direito, sistema sanitário e educação” (p.51).

Luhmann reconhece uma sociedade de estrutura ampla e uma comunicação que enfrenta problema de “improbabilidade” (termo que verifica este aspecto sob o ponto de vista do contexto, dos receptores e dos resultados), que, no entanto, se convergem e estabelecem uma interrelação.

Embora, haja uma certa conexão dos pontos apresentados por Luhmann, a intenção no texto de Henn é verificar a relação do jornalismo na Teoria Geral dos Sistemas, enquadrando-o em parâmetros previamente identificados. E um deles é a “complexidade”, visto que “a atividade jornalística comporta-se como um grande investimento empresarial que vende um produto simbólico” (HENN, 2002, p.31). Que na ideia de explicitar uma missão de “informar com imparcialidade”, o que está latente é a “veiculação de ideologias”. E para sustentar esta estrutura, o jornalismo é submetido aos interesses econômicos.

Um ponto de Henn a ser relacionado com a infografia é a reflexão de Ciro Marcondes Filho sobre os investimentos empresariais na notícia como mercadoria. A informação seria uma commodity a receber constantes melhorias. No caso, o surgimento das manchetes, dos títulos, do design gráfico, do uso da cor e por assim dizer, o recurso da infografia, seriam elementos desta atuação do capital sobre a notícia. “O jornal deve vender-se pela sua aparência” (MARCONDES FILHO, 1986, 66-67 apud HENN, 2002, p. 32).

REFERÊNCIAS

LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicação> In: ____. A improbabilidade da comunicação. Lisboa: Editora vega, 2006, p.39-63.

MORIN, Edgar. 4. A cultura; 5. A crise da cultura. In: ___. Cultura de massas no século XX - Necrose. Volume 2. 3a. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001, p. 75-106.

HENN, Ronaldo. Jornalismo e sistemas. In: ___. Os fluxos da notícia. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2002, p. 13-38.