quarta-feira, 26 de outubro de 2011

SOBRE A MÍDIA E MODERNIDADE, DE JOHN THOMPSON

OBJETIVO
O estudo de Thompson (foto ao lado) serve para traçar o perfil desta e das subsequentes transformações naquilo que ele denominou de “organização social do poder simbólico” e explorar algumas de suas consequências para o tipo de mundo em que vivemos hoje.

RELAÇÃO MÍDIA, IDEOLOGIA E SOCIEDADE
Thompson observa a relação da mídia e ideologia e suas consequências para a vida social e política do mundo moderno e elabora e desenvolve uma teoria crítica que vem se destacando como poderoso instrumento científico para análise das formas simbólicas.

TEORIA SOCIAL DA MÍDIA E O PROCESSO SISTÊMICO
Entender o impacto social do desenvolvimento de novas redes de comunicação e do fluxo de informação. “O desenvolvimento dos meios de comunicação se entrelaçou de maneira complexa com um número de outros processos de desenvolvimento que, considerados em sua totalidade, se constituíram naquilo que hoje chamamos de “modernidade”” (p.12). Ou seja, Thompson observa o progresso dos meios, desde o surgimento da imprensa no século XV até os modelos mais modernos de comunicação que proporcionou o surgimento das sociedades modernas.


PODER SIMBÓLICO E O EU
Ao observar o pensamento acerca do poder simbólico exercido pela mídia, vê-se em Thompson influência de Bourdieu (violência simbólica), e porque não considerar, da perspectiva interacionista da Escola de Chicago. Mas, sua linha é de crítica ao pensamento determinista da Escola de Frankfurt, contrapondo à linha de receptores como espectadores passivos, que apenas absorvem as mensagens a que são expostos. Aponta que o desenvolvimento das sociedades modernas tornou o processo de formação do eu (self) mais reflexivo e aberto.
Isso seria possível, que a partir de uma variedade de materiais simbólicos disponível hoje em dia, onde os indivíduos dependeriam cada vez mais dos próprios recursos para construir identidades coerentes para si mesmas. Thompson detalha o papel de instiruições da mídia que podem ter na formação de uma vida autônoma e responsável das pessoas. Ou seja, os materiais simbólicos são oferecidos aos indivíduos, que construiriam suas próprias identidades.

CONCORDÂNCIA (EM PARTE) COM HABERMAS
Embora estabeleça uma crítica ao pensamento frankfurtiano, Thompson concorda em parte com Habermas: “A grande força deste estudo de Habermas reside no lugar que ele reserva ao desenvolvimento da mídia como parte integral da formação das sociedades modernas. Ele argumenta que a circulação de matérias impressas nos primórdios da Europa moderna teve seu papel crucial na transição do absolutismo para os regimes liberais e democráticos e que a articulação da opinião pública crítica através da mídia foi de vital importância para a vida democrática moderna”.


ESTRUTURA DE “A MÍDIA E A MODERNIDADE”
O livro é estruturado da seguinte forma:
CAPÍTULO 1: Fundamentos de uma teoria social da mídia e o contexto social dentro dos quais toda a comunicação acontece.
CAPÍTULO 2: Transformações que proporcionaram o surgimento das sociedades modernas, com ênfase na comunicação e instituições midiáticas.
CAPÍTULO 3: Novas formas de interação e ação no mundo moderno com o uso dos meios de comunicação.
CAPÍTULO 4: O impacto do meio em relação ao público e privado
CAPÍTULO 5: Abrangência dos meios de comunicação (globalização)
CAPÍTULO 6: A crescente difusão dos produtos de mídia.
CAPÍTULO 7: A natureza do “eu” e as maneiras como a mídia afeta na sua formação.
CAPÍTULO 8: A reinvenção da ideia de público (da agora da Grécia à interação mediada)

TRES FORMAS DE INTERAÇÃO
Face a face: forma tradicional dos indivíduos de se interagir
Mediada: comunicação por um meio técnico, por exemplo, o telefone
Quase mediada: indivíduos recebem informações dos meios e não tem como interagir.

VISIBILIDADE DO PODER PELA MÍDIA
Thompson questiona: “Antes do desenvolvimento da mídia (especialmente da mídia eletrônica, como o rádio e a televisão), quantas pessoas puderam alguma vez ver ou ouvir indivíduos que detinham posições de poder político?” (p.109)
E acrescenta: “Enquanto a transformação na natureza da esfera política criou novas oportunidades para os líderes políticos, ela também fez surgir novos riscos”. Tais fontes de preocupação advindas pela mídia para os detentores do poder agora vigiados pela mídia vão de “gafes a escãndalos”.

VISIBILIDADE DO PODER PELA MÍDIA 2
Para explicar melhor o pensamento de Thompson sobre as preocupações dos políticos advindas com a mídia, o autor cita durante em entrevista: “Eles se tornam personagens com características identificáveis. Cada vez mais, buscam se apresentar como indivíduos comuns. E a questão da personalidade, do caráter, passa a ser mais importante para a vida política. Tudo aquilo que, antes, permanecia oculto nos bastidores da ação política, vem a público com as novas tecnologias de vigilância e investigação – câmeras escondidas, fitas de gravação, grampos de telefone, etc. Com isso, é possível captar, documentar e depois veicular o que está escondido. Neste sentido, a fronteira entre eventos públicos e privados torna-se obscura. Ações e posicionamentos que, até então, os políticos julgavam manter no domínio do privado, passam a ser transmitidos para uma ampla audiência. Bill Clinton e a estagiária Monica Lewinsky descobriram o fenômeno na própria carne.”

FRONTEIRA DO PÚBLICO E DO PRIVADO
“A Mídia e a Modernidade” trata desta fronteira do público e do privado cada vez mais tênue: o poder estatal atuando como intervencionista de questões privadas, como a atividade econômica da sociedade civil. E a sociedade civil, com a formação de grupos e organizações na intenção de pressionar e influenciar a política estatal.

EXEMPLOS DESTA ARENA MEDIADA


Depoimento da professora Amanda Gurgel na Assembleia Legislativa do RN



Prisão de 28 políticos em Dourados (MS) e flagra do prefeito com dinheiro de propina - nível nacional



Odilon Aires e o dinheiro da propina - nível nacional


Gafes do presidente Bush - nível mundial

ESCÂNDALO COMO FENÔMENO MODERNO
Thompson: “A idéia do escândalo é muito antiga. Pode ser remetida ao início da era clássica grega e até mesmo ao pensamento judaico. A palavra escândalo surge ainda, no século 16, nas línguas romana, francesa, portuguesa e inglesa. Você pode encontrá-la também na literatura panfletária do século 17 e do século 18. Mas, neste caso, era uma literatura de agressão e blasfêmia contra os monarcas. Uma mudança significativa acontece na virada do século 18 para o 19, quando o termo é desvinculado do sentido de blasfêmia e passa a se referir a um tipo particular de evento, intimamente ligado à imprensa. Temos aí a emergência de um novo fenômeno, que é o escândalo como um evento de mídia. É, portanto, um fenômeno moderno”

GLOBALIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO
Estes exemplos, com base nos escritos de Thompson, coadunam com sua definição de Globalização da comunicação. Segundo Thompson, a comunicação está cada vez mais global. “Mensagens são transmitidas através de grandes distâncias com relativa facilidade, de tal maneira que indivíduos têm acesso à informação e comunicação provenientes de fontes distantes”. E que a “reordenação do espaço e do tempo provocada pelo desenvolvimento da mídia faz parte de um conjunto mais amplo de processos que trannsformaram o mundo moderno” (p.135)

FRASE PARA REFLETIR SOBRE O PENSAMENTO DE THOMPSON
“O homem é um animal suspenso em teias de significado que ele mesmo teceu” (Geertz)

FRASE PARA REFLETIR SOBRE O PENSAMENTO DE THOMPSON
“Eu tenho dito que, na minha opinião, no princípio tudo era caos isto é, terra, ar, água e fogo estavam misturados juntos; e deste volume informe surgiu uma massa - como leite sde produz o queijo - e vermes apareceram nela, e eles eram os anjos. A mais santa majestade decretou que estes deveriam ser Deus e os anjos, e entre esses anjos havia também Deus, ele também tendo sido criado ao mesmo tempo daquela massa, e se tornou Senhor...” (Menocchio, século XVI, habitante de um pequeno vilarejo de Friuli, norte da Itália)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

INTERCOM 2011


Olá, pessoal. Estava um pouco afastado do blog, mas a atualização continuará à medida que minha produção acadêmica for se intensificando. Desta vez, posto os resumos do meu GP Conteúdos Digitais e Convergências Tecnológicas, na sessãoMídias Digitais, da Intercom 2011, congresso que se realizará em Recife. Minha participação está marcada para o dia 5. Este GP também contará com outro trabalho importante sobre infografia, produzido pela professora Adriana Rodrigues (UEPB), que observará a ferramenta com relação ao gênero jornalístico. Veja todos os resumos:


Sessão 04 - Mídias digitais  Coordenador(a): Alvaro Fraga Moreira Benevenuto Jr. (UCS)  “Obra em progresso”: o blog como canal de debate e invenção cooperada  entre o artista e o público  Carlos André Rodrigues de Carvalho (UFPE) Resumo: Os blogs, que surgiram como meros diários digitais de pessoas comuns, mesmo com públicos limitados, mas ativos, tiveram seus usos cada vez mais diversificado ao longo dos anos. Hoje são utilizados pelas organizações, jornalistas, políticos, escritores e outras personalidades para os fins mais diversos. O compositor Caetano Veloso, por quase dois anos, lançou mão de um blog, o “Obra em progresso”, para não só tornar pública suas opiniões sobre os assuntos que estavam na ordem do dia (política, música, literatura, sociolingüística etc.), mas como ferramenta para trocar ideias com os fãs e, com a ajuda destes, através de comments aos seus posts, criar o seu próximo CD. Com esta iniciativa, o compositor conseguiu ampliar ainda mais os gêneros do blog.  
Progressismo, participação, precarização e linguagem em abordagens  recentes sobre jornalismo e Internet  Pedro Benevides(Unisinos)  Um conjunto de dissertações e teses sobre jornalismo on-line recentemente defendidas é analisado para buscar questões comuns e articulações entre problemas. Busca-se o acúmulo de conhecimento a partir das pesquisas empíricas realizadas em diversas áreas, como Letras e Filosofia, além da Comunicação. Quatro grupos de questões são destacados: os ideais implicados na Internet; a participação na Internet; a relação entre precarização do trabalho, velocidade das notícias e valores jornalísticos; os potenciais e limites da linguagem do jornalismo on-line.  
A narrativa digital como forma de enriquecer o conteúdo de blogs jornalísticos  Douglas de Araujo Teixeira (Facinter)  Atualmente, os blogs são ferramentas utilizadas em larga escala por jornalistas. Por isso, há a clara necessidade de se pensar formas eficientes de produzir conteúdo para esses veículos. Assim sendo, este trabalho propõe a utilização da taxonomia para narrativas digitais, criada pela pesquisadora Nora Paul, a fim de classificar e avaliar conteúdos de sites noticiosos. Essa taxonomia foi adaptada para que fosse possível realizar um estudo de caso de posts veiculados no blog “Lazer Esportes”, onde foi possível identificar diferentes formas narrativas em posts intitulados Podcast Lazer Esportes, que tinham como objetivo levantar os principais assuntos da semana de uma forma diferente daquela comumente encontrada nos conteúdos presentes neste blog. O artigo apresenta, ainda, conceituações de termos pertinentes ao tema da pesquisa, como webjornalismo, blog e narrativa digital.  
O uso das mídias sociais pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais  (SES-MG)  
Silvane Vieira da Cruz (IEC/PUC Minas)  O Núcleo de Comunicação Digital da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) planeja e executa ações em plataformas da Web 2.0. Esse artigo analisa a produção de conteúdo específico para redes sociais – Twitter e Orkut – e para blog e intranet, de acordo com as potencialidades de cada uma. Nas conclusões, observamos que embora a instituição tenha dado um importante passo ao se inserir nessas mídias, ainda é preciso a adequação do conteúdo disponibilizado às especificidades do meio.  
Informação e mídias locativas: reflexões sobre a plataforma Iphone Rodrigo Esteves de Lima Lopes (FCL), Magaly Prado (FCL), Daniela Osvald Ramos (FCL)  Este artigo tem por objetivo estudar o Iphone como mídia agregadora e produtora de conteúdo escrito e audiovisual. Para tanto, discutimos os diferentes softwares disponíveis para essa plataforma, avaliando suas características técnicas, além de suas possibilidades de interação com o usuário. No caso da imprensa escrita e do vídeo, a interação e a criação por parte do usuário do smartphone não é, certamente o elemento mais levado em conta: nesses dois casos a extensão daquilo que já é divulgado em outras plataformas parece ser o mais relevante. Diferentemente, o áudio possui mais aplicativos dedicados a produção de conteúdo, mixagem e sampleagem, gerando uma revolução profissional. Nesse caso temos não apenas programas de edição e criação no telefone, mas controladores de hardware que permitem expandir a própria mídia locativa para desktops.  
As potencializações e especificidades do infográfico multimídia como gênero  jornalístico no ciberespaço  Adriana Alves Rodrigues (UEPB)  A infografia ocupa cada vez mais espaço nas discussões do jornalismo digital em decorrência de suas especificidades e potencializações ao ser transportado para o ciberespaço. Com a finalidade de incursionar por este contexto, este artigo trata da exploração das infografias multimídia dentro do jornalismo digital e seu funcionamento como gênero jornalístico ou cibergênero. Discute os pressupostos para que esta condição seja alcançada em decorrência de suas particularidades no suporte digital e a elaboração das categorias de análises relativas ao relato visual.  
Perspectivas conceituais de midiatização na infografia interativa: os exemplos  de “O Estado de S. Paulo” e “El Universal”  William Robson Cordeiro Silva (UFRN)  A convergência entre a sociedade e os dispositivos técnicos constituíram uma nova forma de vida, baseada na cultura da mídia, no estabelecimento de novas práticas, interrelações, alterações nas constituições societárias, de instituições e nas matrizes culturais. A midiatização empreende uma diferenciada dinâmica social, técnica e discursiva, que provocou transformações nas organizações jornalísticas e em suas ferramentas, submetidas a novas lógicas de interação, comunicação e operacionalidades. Com base em exemplos dos jornais latinoamericanos “O Estado de S. Paulo” e “El Universal”, este artigo propõe estabelecer uma relação da infografia interativa nas perspectivas conceituais de midiatização de Sodré, Miège, Braga e Fausto Neto, considerando as novas manifestações sociais mediadas por dispositivos técnicos: a produção jornalística e a participação direta do leitor nos infográficos.  
A utilização da comunicação mediada tecnologicamente pelo cidadão sênior  Ana Isabel B. Furtado Franco de Abuquerque Veloso (UA)  Segundo as Nações Unidas a população mundial está a envelhecer, prevendo um agravamento até 2050. Existem um conjunto de diretivas mundiais para promover as iniciativas do desenvolvimento de tecnologias digitais para ajudar os cidadãos seniores a manterem uma vida autônoma em casa. O projeto de investigação SEDUCE pretende estudar a utilização da comunicação e da informação mediada tecnologicamente em ecologias web pelo cidadão sênior. Este projeto está em desenvolvimento no Dep. de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro, e tem como objetivo avaliar o impacto dos efeitos não cognitivos mediante o uso das TIC entre cidadãos seniores em contexto de comunidade social on-line e construir uma comunidade social on-line com a participação do cidadão sénior

quarta-feira, 6 de julho de 2011

ARTIGO: INFOGRAFIA INTERATIVA NA AMÉRICA LATINA


Este artigo é uma introdução sobre infografia interativa, para aqueles que querem enveredar neste assunto, e que foi publicado na edição de julho da revista eletrônica Observatório Mídia e Política, da Universidade de Brasília (UnB)



William Robson Cordeiro

Marcília Gomes Mendes

A leitura de três diários – O Estado de S. Paulo, El Nacional e El Universal – evidencia o uso dos infográficos como método eficiente de transmissão da informação, devido ao poder de sua linguagem, a visual.


É cada vez mais presente a utilização do recurso da infografia no jornalismo impresso e on line. É um meio adequado para decodificar com maior velocidade temas que são considerados complexos para a audiência. Os infográficos baseiam-se na representação da notícia a partir de elementos icônicos, ou seja, referentes a imagens, constituindo-se do hibridismo de outros ingredientes da prática do jornalismo, tais como a fotografia, o desenho e o texto. No ambiente da web, são incluídos elementos como animação, vídeo, áudio e recursos de interatividade. Este artigo propõe-se a explanar sobre uma pesquisa em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, considerando que esta exposição trata-se de aspectos introdutórios e em desenvolvimento.

A evolução da infografia é desenhada em três estágios, denominada de “gerações” específicas. A primeira geração não se caracteriza tão somente por sua incipiência (ou ausência de maturação), mas pela vinculação direta ao suporte impresso. Assim, atributos como a narrativa sequencial e linear e o formato estático estão diretamente associados a esta primeira fase evolutiva da infografia. As demais fases perpassadas pela infografia moderna, culminando com o estágio no suporte web, base deste projeto, são:

  • Segunda fase: envolvida no suporte da internet, baseia-se na multimidialidade dos elementos constitutivos dos infográficos, a saber, “imagens em movimento, gravação sonora, ilustração, fotografia, vídeos e outros recursos interativos” (RODRIGUES, 2009, p. 201). A forma de leitura também se altera em relação aos infográficos estáticos, com variações multilineares, lineares ou não-lineares.
  • Terceira fase: tem como propriedade, segundo Rodrigues (2009), a introdução de base de dados na formatação dos infográficos na plataforma web.

Transição para a web

Com o avanço tecnológico, acesso dos indivíduos aos computadores, banda larga, migração de leitores para a plataforma web, os tradicionais jornais impressos iniciam processo de produção de conteúdo digital, agregando os recursos do tradicional jornalismo feito no papel. A infografia é uma das ferramentas que, progressivamente, recorre aos elementos de multimidialidade e promove o surgimento de “profissionais relacionados com esta forma para que os usuários interatuem com as novas tecnologias” (CAIRO, 2008, p.63). A transição buscava a interatividade do indivíduo com o computador, ao recorrer à informação que necessita através da manipulação do infográfico. Este seria o fundamento da “visualização da informação”, termo que, segundo Cardy, Mackinlay e Shneiderman (1999 apud CAIRO, 2008, p.68), traduz-se “no uso de apresentações visuais e interativas de dados abstratos assistidos por computador para ampliar a cognição”. A infografia passa de um elemento estático para ofertar uma possibilidade de investigação para os leitores/audiência.

É o que Sancho denomina de infografia interativa¹ , conceituando como:

  • Uma aportación informativa, en la mayoria de los casos sucesiva, que se elabora en las publicaciones digitales, basicamente visuales, pero también audiovisuales, realizada mediante unidades elementales icônicas (estáticas o dinâmicas), com el apoyo de diversas unidades tipográficas y/o sonoras, normalmente verbales (2003:556 apud TEIXEIRA, 2007, p.6)

Para Cairo, a figura do jornalista visual torna-se coadjuvante na interpretação dos dados para o leitor, quando da transposição do meio impresso para o meio digital. No entanto, o mesmo jornalista visual figura-se como protagonista ao proporcionar ferramentas para que o próprio leitor desvende os dados por si mesmo.

O novo panorama que se forma no jornalismo digital, a partir da tomada da infografia interativa, caminha lentamente nos jornais tradicionais, embora se note avanços importantes em títulos de maior alcance popular na América Latina. Entre os tais estão: O Estado de São Paulo (www.estadao.com.br), com uma tiragem na versão impressa de 217.414 exemplares (média de 2009, segundo o Instituto Verificador de Circulação - IVC), que figura entre os quatro mais importantes do Brasil e mantém uma seção específica de infografia em seu sítio; El Nacional (www.el-nacional.com), de Caracas, que desenvolve infográficos multimídias na internet e evidencia como o diário mais importante da Venezuela, com tiragem de 150 mil exemplares; e El Universal (www.eluniversal.com.mx), da Cidade do México, fundado em 1º de outubro de 1916 e que, segundo o canal institucional do diário em sua página na internet, “é um dos sítios em espanhol de maior tráfego do mundo. Dados de 2007 apontam que o jornal obteve 3,2 milhões de usuários únicos, 105 milhões de páginas vistas e 1,6 milhão de downloads de vídeo”. Na versão impressa, a tiragem é de 300 mil exemplares diários.

Reprodução de vídeo do infográfico sobre os 25 anos do terremoto no México (El Universal – setembro de 2010)


Tais diários foram escolhidos baseados na questão de colonização diferente entre eles, ou seja, a relação de um jornal de língua portuguesa com dois de língua espanhola, sendo que um deles está fora do ambiente geográfico da América do Sul. Os dois jornais de língua hispânica também são importantes por figurarem no Grupo dos Diários América, entidade que congrega os 11 principais periódicos da América Latina (no Brasil, inclui-se O Globo).

Os dinossauros brasileiros (O Estado de S. Paulo – agosto de 2010)

Eleições parlamentares na Venezuela (El Nacional – setembro de 2010)

As três publicações mantêm identidades comuns quanto às noções de ética e prática jornalísticas latino-americanas, no que concerne à independência do Estado e dos poderes, “tendo o direito de reportar, comentar e criticar as atividades dos agentes do poder, inclusivamente dos agentes institucionais” (SOUSA, 1999). Do mesmo modo, são comuns as rotinas produtivas, o uso das novas tecnologias e de recursos como a infografia interativa.

Mudanças no jornalismo

Sousa e Lima (2005, p.3) mencionam que o jornalismo é histórica e, essencialmente, uma representação “discursiva e selectiva da vida, que, como todos os discursos sobre a realidade, mostra, evidencia e focaliza na mesma medida que oculta”. Assim, a infografia tem sido testemunha da acomodação dos diários impressos aos avanços da tecnologia e acompanhado as mudanças no jornalismo, na medida em que a televisão conquistava uma parcela cada vez maior da audiência, com impacto direto nos jornais impressos. A ênfase do uso dos infográficos passou a ser maior. Como exemplo no Ocidente, o USA Today dinamizou a transmissão de dados informativos com a utilização massiva dos infográficos na década de 80. Cairo (2008, p.52) atesta que o periódico inclinava-se ao perfil do leitor ocupado, com pequena disposição de ler jornais e que “estava muito acostumados a obter suas notícias pela televisão”.

O paradigma de diário pós-televisivo, apontado por Cairo (2008) e desenvolvido pelo USA Today, apoiava-se na informação visual com propósito de apreender o leitor. Pablos (1999 apud SCHMITT, 2006, p.38) explica que o cenário marcava-se por “perda continuada de leitores, a incorporação nula de jovens e a presença de uma TV cada dia mais universal, em uma sociedade cada vez mais global”. Hoje, nota-se a presença do diário na plataforma web, recorrendo a infográficos, em processo social que assemelha-se ao enfrentamento com a TV.

Ao observar este caminho, entende-se que o surgimento da infografia jornalística, por si só, é sintomático no que se refere ao funcionamento dos diários impressos e, agora na internet, e torna-se mais comum também no cotidiano da vida social, o que instiga a investigação acerca deste tema. Os infográficos apresentam-se como método eficiente de transmissão da informação, devido ao poder de sua linguagem, a visual.

Outro aspecto que inclina ao desenvolvimento desta pesquisa em andamento baseia-se na concepção de que os estudos sobre infografia (estática e interativa) no mundo são recentes e no Brasil não há ainda livros específicos acerca deste tema considerado complexo no campo da comunicação. Sobretudo, no universo latino-americano.

Os três diários (O Estado de S. Paulo, El Nacional e El Universal) estão entre os principais em suas regiões, são detentores de prestígio na América Latina. Foram escolhidos por utilizarem a ferramenta infográfica na transmissão de notícias na internet, o que leva à hipótese de um perfil de leitor muito semelhante ou com identidades comuns na América do Sul e América Central.

Referências

CAIRO, Alberto. Infografia 2.0 - visualización interactiva de información en prensa. Madrid: Alamut. 2008

PRIMO, Alex e CASSOL, Márcio. Explorando o conceito de interatividade: definições e taxonomias.1999. Disponível em: http://usr.psico.ufrgs.br/. Acesso em: 16 de outubro de 2010.
RODRIGUES, Adriana Alves. Infografia na revista Veja: a imagem gráfica como indução do leitor. Campina Grande. 2005. Monografia. Universidade Estadual da Paraíba.
SCHMITT, Valdenise. A Infografia Jornalística na Ciência e Tecnologia: um experimento com estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2006. Dissertação.Universidade Federal de Santa Catarina
SOUSA, Jorge Pedro e LIMA, Maria Érica de Oliveira. O massacre dos inocentes. A reacção das newsmagazines portuguesas e brasileiras ao atentado contra a escola de Beslan, in SOUSA, Jorge Pedro (Org.) (2006). Actas do II Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos/IV Congresso Luso-Galego de Estudos Jornalísticos. Jornalismo, Ciências e Saúde. Porto: UFP, 2005.
TEIXEIRA, Tattiana. A presença da infografia no jornalismo brasileiro. proposta de tipologia e classificação como gênero jornalístico a partir de um estudo de caso. In: Revista Fronteiras, IX(2): 111-120, mai/ago 2007.
__________ . Que beleza! O infográfico e o jornalismo informativo. In: FELIPPI, Ãngela; SOSTER, Demétrio de Azeredo; PICCININ, Fabiana (org.). Edição de Imagens em Jornalismo. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. pp. 162-183



William Robson Cordeiro é mestrando do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na Área de Concentração Estudos da Mídia - Linha de Pesquisa Práticas Sociais. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) E-mail: williamrobson@folha.com.br


Marcília Gomes Mendes é professora-doutora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).



¹André Lemos (1997 apud PRIMO E CASSOL, 1999, p. 3) compreende por interatividade como uma nova forma de interação técnica, de característica eletrônico-digital, uma ação dialógica entre homem e técnica. “Por outro lado, pensa que o que se vê hoje com as tecnologias digitais não é a criação da interatividade propriamente dita, mas sim os processos baseados em manipulações de informações binárias”.

domingo, 19 de junho de 2011

PARA UMA ECOLOGIA DA MÍDIA 2: Materialidades da comunicação e Teoria do Ator-Rede




A sociedade e a natureza necessitam ser observadas sob o princípio de uma simetria generalizada, que não vislumbra grandes divisões, que torna híbrida a presença de humanos e não-humanos, um processo apontado por André Lemos (foto acima) como “não simplificada ou dicotômica das relações sociais” (2010. p.4). Trata-se do princípio de Bruno Latour e Michel Callon denominado de Teoria do Ator-Rede, termo que o próprio Latour não concorda, por não abarcar as complexidades inerentes ao seu pensamento. Esta teoria consiste na derrubada de separações historicamente construídas em circunstâncias até mesmo científicas que estabeleceram dois mundos: o das coisas e o dos homens, sendo necessária uma explicação que integrasse a ambos, e uma investigação capaz de conceder importância equivalente, “estudando-os ao mesmo tempo” (FREIRE, 2003, p.49).

Sendo considerada ora uma metodologia, ora uma teoria, a Teoria do Ator-Rede reestrutura formas de pesquisas e de observar objetos, ações e sujeitos dentro de um “território informacional”, assinalado por Lemos, contribuindo para a “abolição do pensamento dualístico” observado até então nos estudos sociológicos. A teoria incorpora a interação de humanos e não-humanos tornando estes últimos mais que meras extensões do homem. Law, citado por Freire, enuncia que “quase todas as nossas interações com outras pessoas são mediadas através de objetos, como telefone, internet e carta” (p.49) e, que assim sendo, mostra que o aspecto do social é delineado por uma “rede heterogênea, constituída não apenas de humanos, mas também de não-humanos, de modo que ambos devem ser igualmente considerados”.

Latour (foto ao lado) recomenda que o exercício desta teoria está diretamente imbricada com o seu conceito de tradução, dispositivo necessário para tornar simétrica a interpretação dos atores. Tradução tem o sentido linguístico de transpor de um idioma para outro, o que para Latour segue o mesmo princípio, mas sob a ótica geométrica, de transpor de um lugar para outro. “Significa oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes”, explica. Conclui-se que a base da construção de uma “antropologia das ciências”, de uma “sociologia das associações” em confronto com a “sociologia do social”, vai de encontro com uma separação das coisas do mundo ou da prevalência do homem sobre as coisas.

Na Teoria do Ator-Rede, Latour prefere a expressão “actante” a “ator”, visto que ator se limita a humanos enquanto o outro amplia para os não-humanos. Do mesmo modo, é ampliada a noção de rede, saindo da lógica de conexões, interligações de pontos distintos e separados, estabelecendo uma analogia ao rizoma (de crescimento múltiplo e horizontal), “uma totalidade aberta capaz de crescer em todos os lados e direções, sendo seu único elemento constitutivo o nó” (MORAES, 2000, apud FREIRE, p.56). Rede não significa conexões, mas vínculos, canal de fluxos, actantes em constante relação. Por esta razão que Latour também critica o hífen na expressão “ator-rede”, porque parece já instituir uma nova divisão, aniquilando o processo substancial da rede. Outros nomes foram pensados por Latour para esta teoria: “sociologia da tradução”, “ontologia do actante-rizoma” e “sociologia da inovação”.

O teórico propõe apontar que a “sociologia do social não é mais capaz de delinear as novas associações de atores” (2006. p.11) e que a Teoria Ator-Rede (ou ANT, em inglês) teria a capacidade de construir este reagrupamento de matrizes sociais. “É preciso seguir os próprios atores, quer dizer, tentar lidar com suas inovações muitas vezes indomáveis, de modo a aprender com eles o que a existência coletiva se tornou nas suas mãos, que métodos é que elaboraram para a ajustar, e quais são os relatos que melhor definem as novas associações que foram obrigados a estabelecer” (2006, p. 11).

O pensamento de Latour, ao tensionar com a infografia interativa, levanta alguns questionamentos sobre a interrelação do objeto de pesquisa com atores não-humanos. Sobretudo quanto a alterações sociais provocadas com a mediação deste instrumento e dos dispositivos técnicos inseridos neste “território informacional”. É possível estabelecer relação à experiência de Lemos com as mídias locativas, considerando que a infografia representa forma simbólica disponível numa infra-estrutura técnica, ou seja, “as materialidades do processo e os atores-rede em modos de mediação”. Hanke mostra que “falar em “materialidades da comunicação” significa ter em mente que todo ato de comunicação exige a presença de um suporte material para efetivar-se” (2005, p. 6).

A relação dos dispositivos técnicos e a sociedade remete ao pensamento de Bernard Miège. As TIC (Tecnologias digitais de Informação e Comunicação) reforçam este aspecto social, de produção, consumo e interrelacionamento entre os indivíduos. Com o incremento das TIC, a própria designação da sociedade da informação ficou mais ampla, abarcando características da modernidade. E para compreender a visão de Miège sobre esta nova sociedade no campo da comunicação, é preciso considerar: a informacionalização; a promoção das tecnologias e das redes como fator dominante ao conteúdo; a modificação e a expansão dos sistemas midiáticos; e o controle transnacional do fluxo de informação e comunicação.

O autor mostra que a comunicação moderna não engloba apenas a comunicação pessoal, mas observa o que ele conceituou como “comunicação/informação” (uma das propostas para posicionar a técnica), a partir da observação de uma sociedade midiatizada iniciada em meados do século passado. O conceito de comunicação/informação está associado a uma articulação entre os dois, que supera a visão ideológica ou de manipulação da comunicação, mas vê também que a informação é meio de interação entre os atores sociais. As TIC reforçam esta relação, impregnando-se na sociedade (tecnodeterminismo) e nas redefinições (a formação do self media, por exemplo, p. 48). É o que Miége trata de "dupla mediação", em que a mediação é ao mesmo tempo técnica e, ao mesmo tempo, social, sendo esta uma de suas propostas para posicionar a técnica, além da “temporalidade” e “a questão da inovação” que observa a contribuição das TIC tanto na construção do social, quanto a ruptura e as mudanças de paradigmas. (2009 p. 58).

REFERÊNCIAS

LEMOS, André. Você está aqui! Mídia locativa e teorias “Materialidades da Comunicação e “Ator-Rede”. GT “Comunicação e Sociabilidade”, XIX Encontro da Compós, Rio de Janeiro: UFRJ, junho de 2010. 17 páginas.

FREIRE, Letícia de Luna. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum - Rio de Janeiro - v.11 - nº 26 - p. 46 a 65 - janeiro / junho 2006.

LATOUR, Bruno. Como prosseguir a tarefa de delinear associações?. Configurações, nº 2, 2006, pp. 11-27 .

MIÈGE, Bernard. Quatro propostas para posicionar a técnica. In: ____. A sociedade tecida pela comunicação. São Paulo: Paulus, 2009, p. 45-62.

HANKE, Michael Manfred. Materialidade da Comunicação – Um conceito para a ciência da comunicação? In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 28. 2005. Rio de Janeiro. Anais... São Paulo: Intercom, 2005. Disponível em http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R0680-1.pdf. Acessado em 12 de junho de 2011.

domingo, 12 de junho de 2011

PARA UMA ECOLOGIA DA MÍDIA: redes sociotécnicas, tecnointerações, convergências, remediação, midiamorfose, transmídia

O exemplo que Marshall McLuhan oferece sobre a luz elétrica para explicar a expressão “o meio é a mensagem” é sobremodo oportuno: “Pouca diferença faz que seja usada uma intervenção cirúrgica no cérebro ou para uma partida noturna de beisebol. Poderia objetar-se que essas atividades, de certa maneira, constituem o “conteúdo” da luz elétrica, uma vez que não poderiam existir sem ela” (2000, p. 22). A luz elétrica é um meio, seu reflexo também pode enquadrar-se como meio e este é a mensagem. Aspectos simbólicos devem ser considerados na configuração desta mensagem e também do meio, visto que sua diversidade não é percebida por muitos. O autor mostra casos como a IBM que notou que, além de uma indústria de máquinas e equipamentos para escritório, poderia ser uma corporação de processamento de informação.

Ou seja, a ótica de McLuhan leva a reconfigurar as noções de meio e de mensagem. A título de exemplo, emerge a situação pela qual passa os jornais impressos, seu processo de encolhimento ou de “recuo”, como assinalado por Carlos Alberto Scolari (foto). Empresas buscam saída para a manutenção deste suporte, para a sobrevivência do modelo de papel, não considerando que o meio-mensagem é o jornalismo e este é o meio de comunicação, como assinala McLuhan. Se o suporte é o meio e se o seu conteúdo também é o meio, trata-se de uma concepção “total instantânea”, que pode bem adaptar-se ao exemplo da infografia interativa – como meio de comunicação posto em plataforma web.

São apenas colocações práticas para apontar a reflexão de McLuhan sobre o meio e a mensagem. No entanto, ele faz desdobramentos sobre as causas na sociedade, na formação cultural de nações (inclusive, observa que o meio sempre está associado às matrizes culturais) e estabelece um comparativo da tecnologia elétrica com a “tecnologia de Gutenberg”, sinalizando para perigos e ameaças. “Estou na mesma posição de Pasteur ao dizer aos doutores que seu maior inimigo era perfeitamente invisível - e, perfeitamente irreconhecível por eles” (p.33). McLuhan faz analogia do conteúdo de um meio à uma bola de carne que o assaltante joga para o cão da mente, na intenção de dispersá-lo, reafirmando o poderio deste conteúdo, que é a “mensagem”.

“Estruturas de percepção” é um conceito assinalado no texto de McLuhan, “O Meio é a Mensagem”, para demonstrar que os efeitos da tecnologia é sobremaneira impactante, que não oferece aos seus envolvidos qualquer resistência. Como o Japão aderiu ao sistema monetário no século XVII, a tipografia, a imprensa envolveu-se na sociedade ocidental de tal forma que transformou-se em extensões incondicionalmente necessárias para os indivíduos. “Essa mudança (seja pelo monetário ou pela tipografia) não depende de aprovação ou desaprovação dos membros constituídos da sociedade”, aponta o autor (p.34). Os meios de comunicação estabeleceram em seus usuários uma situação de prisioneiros de prisões sem muros.

Os meios, inseridos na sociedade como extensões dela, se ampliam num sistema mencionado por alguns autores de “ecológico”. Trata-se de um conceito análogo ao processo biológico, ofertando condições de compreender o estado dinâmico da mídia. Um destes autores é Carlos Alberto Scolari que, ao explanar sobre o conceito, alertou que trata-se de uma metáfora elaborada por McLuhan e Neil Postman no final dos anos 60 e descrita sob duas duas vertentes: “os meios como um “medium”, um ambiente ou entorno natural de onde os seres humanos movem e vivem sem perceber a sua existência” e “os meios como espécies que vivem dentro de um ecossistema” (p. 3-4). Scolari acredita que esta metáfora pode oferecer muitas reflexões sobre os meios.

Uma destas reflexões pode partir do modelo de jornalismo impresso, uma espécie da ecologia midiática, que enfrenta pressões e ameaças da mídia digital que obriga a sua transformação, adaptação ou sua extinção. O modelo de infográficos aplicados neste suporte, neste meio que intenta adaptar-se no ambiente web (ou estaria sofrendo processo de canibalismo por espécies predadoras?) estaria se deslocando para uma outra espécie desta ecologia ou transformando-se? Scolari atenta para o aspecto dinâmico destas mudanças, a partir do cenário de midiatização das cidades, da conectividade constante, o conceito de “tecno-urbano” em que as cidades buscam oferecer praças e locais com internet aberta, e o princípio da convergência (a interrelação das mídias).

A ecologia midiática expõe um momento de transformação permanente com o incremento de novos meios e tecnologias, transformação que gera convergência, experiências e fenômenos que vão além de um único meio, mantendo relações com outros, o que especificamente isso para Scolari é conceituado de “dinâmicas transmidiáticas”.

Um exemplo deste processo é mostrado por Yvana Fechine (foto ao lado) ao fazer uma relação da interatividade e a TV digital. “Os reality shows, como o Big Brother, podem ser considerados os primeiros formatos bem sucedidos de convergência midiática, podendo ser apresentados simultaneamente na TV aberta, 24 por dia em canais por assinatura e na internet” (CASTRO apud FECHINE, 2009, p.154). Fechine apontou este caso diante das várias discussões sobre como a TV digital implementará interatividade com receptores sem perder sua vocação do “ver junto” e de elementos do “tempo público” (citado por Dominique Wolton), que não se encontram na internet.

O procedimento da internet, segundo Fechine, baseia na individualidade (na “solidão interativa”) e no agenciamento, conceito de Janet Murray que significa o “usuário realizar ações significativas e ver os resultados de suas decisões e escolhas sobre um objeto que é alterado dinamicamente de acordo com sua participação” (2003, p. 127-128, apud FECHINE, 2009, p.152). Em angulação com o infográfico interativo, tal conceito descreve basicamente todo o processo de sua natureza, que oferece condições para o produtor (infografista) estabelecer “estratégias de roteirização”, ou seja, rotas prévias a serem percorridas pelo usuário. Fechine demonstra que este usuário é um “interator” que age explorando este ambiente em busca de respostas diante de suas intervenções. “Se os textos surgem no próprio ato de navegação, a partir de decisões pessoais, cada interator produz e frui a “sua história”, abrindo mão de um conteúdo compartilhado e privilegiando a escala individual da comunicação” (p.152).

REFERÊNCIAS

McLUHAN, Marshall. O meio é a mensagem. In: ____. Os meios de comunicação como extensões do homem. 10 ed. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 21-37.

SCOLARI, Carlos A. Hipermediaciones (o cómo estudiar la comunicación sin quedar embobados frente a la última tecnología de California) - Entrevista a Damián Fraticelli. Revista Lis - Letra Imagen Sonido - Ciudad mediatizada. Año III # 5. mar-Jun. 2010. Bs. as. uBaCyt. Cs. de La ComuniCaCión. FCs/uBa, p. 3-11.

FECHINE, Yvana. A programação da TV no cenário de digitalização dos meios: configurações que emergem dos Reality Shows. In: FREIRE FILHO, João (org.). A TV em transição. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 139-170.

domingo, 5 de junho de 2011

MIDIOLOGIAS II


Harry Pross (foto acima) estabelece três aspectos ao tratar de mídia em “La Clasificación de los Medios”, sempre associando relações intercomunicacionais com a ideia de aparato porque para ele, os fins comunicativos buscam os meios adequados, embora o que vai implicar neste processo é o acesso aos meios e a tais aparatos. Pross aponta, como exemplo, a televisão que é para ele, “uma rede de distribuição que distribui mensagens a muitos como todos os meios de massa”, mas ele observa que cada meio precisa ser entendido e utilizado de maneira apropriada. O texto de Pross percorre esta problemática dos aparatos e de seus usos, exemplicando a saudação “ei, olá”. Tal saudação, com o agitar de mãos, para Pross é inapropriada na televisão.
Este caso é apresentado para que Pross demonstre uma certa discrepância no discurso linguístico utilizado para a TV e para o rádio, a forma como a expressão se manifesta nestes dois suportes, considerando o fator do “ei!” na comunicação verbal ou não verbal. “Mas, o “ei!” também se dá quando alguém entra em sótão escuro ou no bosque atrás de alcançar um ponto elevado. O que disse “ei!” tem contraído o rosto (fisionomia) e tem agitado a mão (gesto)... Se o tivesse feito no rádio, não seria nenhum problema. Este meio se rege totalmente pelo ouvido e, por conseguinte, pelo discurso linguístico” (1990, p. 161).
Uma expressão apresentada em meios diferentes como o rádio e a TV tende a trazer, podemos supor, uma certa carga de ruído dependendo da mídia em que seja transmitida. O exemplo de Pross sobre o uso adequado do meio para o “ei, olá!” franqueia a entrada à sua perspectiva sobre a comunicação ou o estabelecimento de contatos. Pross denomina de mídias primárias, secundárias e terciárias, modelos que estabelecem sua efetivação a partir do uso ou não do que ele chama de “instrumentos ou aparatos”.
Os meios primários são descritos pelo contato humano sem a necessidade de aparatos técnico, comparável por Pross no âmbito social primário com “os principais meios de entendimento”. A manifestação do “ei!” caracteriza-se, sem o uso de aparato, como expressão da mídia primária. Pross mostra que, apesar das manifestações naturais, a escrita está adequada à mídia primária, na medida em que mesmo sendo um instrumento de registro e de duração, “podem ser percebidas sem aparato” (p.164). Necessário se faz, no entanto, que o emissor e o receptor tenham domínio dos códigos de transmissão, dos símbolos e signos utilizados para a interpretação. Aí, Pross constitui novo grupo que caracteríza esta comunicação sígnica, distinguindo entre “figuras gráficas” e o “grupo de escritas subordinadas à linguagem”, pontos que não serão abordados neste texto.
Citar estes subgrupos leva a gerar um tensionamento com a mídia secundária. Pross entrelaça a linguagem e o uso da escrita e os registros gráficos. Ou seja, a escrita - enquadrada no conceito de mídias primárias - tende a ganhar forma diferente quando seus símbolos e discurso linguístico transformam-se em produtos para um público maior. “Quando se requer um aparato do lado da produção e não do lado da recepção, proponho o termo de meios secundários”, segundo aponta Pross (p.165). Folhetos, cartazes, panfletos, livros e jornais permanecem nesta linhagem. Os jornais com certo destaque, por sua relação com fatores de circulação periódica, a partir dos“ritos de calendário”, e no sentido da transmissão de “bens espirituais” como enuncia Groth, ao também instituir seu conceito de mediação, “para designar os sistemas bilaterais de comunicação” (p.167).
A remissão do simbolismo gráfico transmitido pela mídia secundária, sobretudo os jornais, quanto a aspectos da infografia demonstra uma força que designa visualmente a percepção do leitor na intenção de ofertá-lo este conteúdo simbólico. Como no ponto em que Pross mostra que o uso da ilustração (fazendo uma analogia com a infografia) reforça este processo, “na maior vendagem dos jornais assim configurados, remete novamente à fase preverbal” (p.168). Considerando tal angulação, pode-se construir uma conexão com a mídia terciária de Pross (que pressupõe aparatos do lado do produtor e do lado do receptor), ao observar que a infografia interativa (modelo de transmissão simbólica) necessita de instrumentos para sua concepção e para seu consumo (no caso, equipamentos de informática para manipulação desta ferramenta).
A infografia enquadra-se numa nova forma, numa nova materialidade como exemplificada por Mouillaud. Para a autora, o discurso do jornal está envolvido no dispositivo, o suporte, que não é o seu conteúdo. “O dispostivo não comanda apenas a ordem dos enunciados, mas a postura do leitor” (p.32). Pode-se considerar que o infográfico é um dispostivo subordinado ao jornal, assim como o jornal é um dispositivo geral da informação?
Mouillaud descreve que os dispostivos são mais que suportes (ele denomina “matrizes”) e quer seja o texto (ou o conteúdo), quer seja o suporte (ou a matriz) se relacionam “geneticamente”, cada um desempenhando o seu papel, como fenômenos dinâmicos. E cita um exemplo: “Quando da morte de J. P. Sartre (que lhe havia dado uma cauçao no mento de seu nascimento), Libération se metamorfoseou em Journal de Sartre, e disfarçou em álbum de história em quadrinhos quando morreu Hergé, o pai de Asterix”. (2002, p.34)

A mídia terciária apontada por Pross, em que a infografia interativa se inclui na midiatização digital no processo de produção dos periódicos, aponta também para o fenômeno de velocidade da informação citada por Debray, no modelo pouco a pouco instalado de “ubiquidade” (que remete à nova forma de vida, de Sodré), no desenvolvimento das ferramentas que possibilitam o adentrar a esta ambiência e a palavra que “nunca ciculou tanto e tão rápido ao redor da terra” (2007, p. 2). Apesar de sua abordagem, Debray (foto ao lado) critica a globalização (que chamou de “baboseira conectiva”) e de uma “enbriaguez da conexão generalizada”, que leva a esquecer valores, tradição e desfragmenta a humanidade. Não é porque colocamos o mundo na rede que poderemos viver essa rede como um mundo”, diz. (p.3)

REFERÊNCIAS
MOUILLAUD, Maurice. Da forma ao sentido. In: PORTO, Sérgio D.; MOUILLAUD, Maurice (orgs.). O jornal: da forma ao sentido. Brasília: UNB, 2002, p. 29-35.
DEBRAY, Régis. Transmitir más, comunicar menos. A Parte Rei - Revista de Filosofia, Número 50, Marzo de 2007, p. 1-13. Disponível em: http://serbal.pntic.mec.es/AParteRei
PROSS, Harry. La clasificación de los medios. In: PROSS, Harry; BETH, Hanno. Introdución a la ciencia de la comunicación. Barcelona: Anthropos, 1990, p. 158-178.

domingo, 29 de maio de 2011

MIDIOLOGIAS I


É pertinente iniciar esta abordagem a partir do pensamento de Marshall McLuhan (acima) acerca do que ele denominou de “artefatos humanos”, das ferramentas primitivas à mídia eletrônica, considerando serem as extensões dos indivíduos ou como Hans Hass aponta, traduz-se no resultado da capacidade humana de “criar órgãos adicionais”. Este órgãos ou artefatos podem ser “língua, leis, ideias, hipóteses, ferramentas, vestuário, computadores”, permitindo vantagens como não terem necessidade de nutrição, de poderem ser guardadas ou descartadas e apresentarem caracteristicas intercambiáveis. Aí vale citar o exemplo apontado por Hass no texto de McLuhan de que as extensões permitem o desempenhar de vários papéis, funções, de “forma que, quando ele (o indivíduo) empunha uma lança, é caçador, e quando manobra um remo, é navegante” (2005, p.335).
Mas, a preocupação de McLuhan ante estas extensões é com seus efeitos, que por trazer consigo todo significado das simbologia humana, tem um caráter destrutivo, visto que o homem não estaria devidamente equipado para enfrentar suas consequências. Tal preocupação o levou à abordagem e visões acerca do funcionamento, ações dos artefatos sobre a sociedade, configurando as “Leis da Mídia”, a serem incluídas em livro. Basicamente, McLuhan estabeleceu questões que acreditava formatar uma espécie de conceituação metodológica capaz de compreender os
efeitos. São quatro perguntas: o que a tecnologia amplifica, melhora ou aumenta?; o que ela torna obsoleto?; o que ela resgata ou recupera de um passado distante? (algo que foi rejeitado); o que ela transforma ou inverte subitamente quando levada a seus limites?.
Diante de vários exemplos apontados no texto “O homem e os meios de comunicação’, de 1979, McLuhan compatibiliza a mídia eletrônica em seu método que abarca as quatro questões de “melhoria, obsolescência, recuperação e reversão”. A mídia eletrônica tanto amplifica o raio de atuação da informação, quanto o visual (não sob o ponto de vista estético, mas sob o aspecto presencial), possibilitando, além da maior difusão informacional, o surgimento do “homem eletrônico”, sem corpo. McLuhan alerta para as consequências deste fenômeno: “A implicação de uma existência desencarnada, incorpórea, no mundo da informação é algo para o qual nosso sistema de educação não nos preparou” (p.341).
Ao comparar realidades distintas vividas pela sociedade, a primitiva e a civilizada, McLuhan descreve uma civilização construída com base no alfabeto, proporcionando uma leitura diferente do mundo, uma “
apreensão não-acústica” das sociedades primitivas. O autor evita estabelecer juízo de valor sobre estas sociedades, apenas apontando que o “homem visual, com sua propensão racional e agressiva, foi inventado pelo alfabeto visual” (p.350).

Uma sociedade formada e condicionada pelo alfabeto como elemento de interpretação e significação do mundo, remete ao texto de Vílem Flusser (foto ao lado), “O Mundo
Codificado”. O alfabeto é um código e os códigos, em geral, resultam do impacto da revolução da comunicação na sociedade. Ou seja, os indivíduos vivem num mundo sígnico, de elementos bidimensionais, repleto de cores no atual entorno, com proposta de comunicar algo, de transmitir algo. Flusser considera que há, atualm
ente, um aumento da importância destes códigos bidimensionais frente aos unidimensionais, a exemplo do alfabeto.
Seria como se a humanidade estivesse retornando à origem do que já foi percorrido, visto que antes da invenção da escrita, ela se comunicava através de imagens. Flusser mostra que, nem com o advento da escrita, as imagens perderam sua função de significação, embora a escrita tenha conseguido se impor com o passar do tempo. A comunicação é, considerando estes pontos, uma substituição, em que os “homens têm de se entender mutuamente por meio dos códigos” (2007, p.130).
Esta relação sígnica do homem com o mundo, compreensível segundo códigos bidimensionais ou unidimensionais, possibilita fazer um tensionamento com o uso dos infográficos na transmissão de informação, por seu caráter imagético, repleto de códigos convencionados que são expostos aos leitores que seguem um percurso linear para ser apreendido (assim como imagens primitivas), ou seja, a diacronização da sincronicidade. Ela possibilita que o infográfico se estabeleça como narrativa, um instrumento capaz de sistematizar e representar um dado evento.

Mas, ao confrotar o pensamento das “Capilaridades da Comunicação” de Baitello Jr (foto) com a ampliação dos códigos bidimensionais de Flusser, percebe-se a definição de um novo conceito, o neoanalfabetismo civilizado”, que para Baitello, “declina evidentemente a escrita alfabética elaborada, mas não a escrita como um todo, que se contamina e transforma regressivamente em escrita neopictogramática ou em alfabetos neoideogramáticos de fácil assimilação, mais amigáveis ao tempo veloz, menos exigentes em sua aprendizagem, mais simples em sua imediatez e sobretudo, aptos a gerar leitores com crescente simplicidade”. (2010, p.110). O autor critica este processo e cita que o jornalismo utiliza de “estratégias de emburrecimento” (termo criado por Wertheimer e Zima), ao enfatizar a utilização de elementos como ilustrações, gráficos, manchetes, textos curtos, frases curtas. Ou seja, a infografia, um instrumento de linguagem bidimensional para uma civilização cada vez mais visual, dependentes de códigos para apreensão do mundo, se configura também como uma peça estratégica de enburrecimento e do neoanalfabetismo civilizado de Baitello.


REFERÊNCIAS
McLUHAN, Marshall. O homem e os meios de comunicação (1979). In: ____. McLuhan por McLuhan: entrevistas e conferências inéditas do profeta da globalização. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 326-351.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. In: ____. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 126-137.
BAITELLO JR., Norval. As capilaridades da comunicação. In: ____. A serpente, a maçã e o holograma: esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Paulus, 2010, p. 103-120.

domingo, 22 de maio de 2011

TEORIAS DA MEDIAÇÃO E DA MEDIATIZAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Os temas midiatização e mediação já foram abordados neste blog, a partir da visão de alguns teóricos, mas cabe fazer uma nova reflexão a partir de uma análise mais resumida destes conceitos e abordagens.
Observando o texto de Muniz Sodré, “Eticidade, Campo Comunicacional e Midiatização”, onde estas questões foram incluídas no livro “Antropológica do Espelho”, é importante fazer uma relação do conceito de midiatização com a ideia de espelho. O autor mostra uma alteração na mídia tradicional (ou “linear”, a exemplo da TV e do cinema) onde as imagens são representadas realisticamente para a audiência externa. Na nova mídia digital, o usuário pode inserir-se nesta realidade, trocando a contemplação da representação pela participação direta.
O espelho midiático não é uma mera reprodução, reflexo, porque envolve uma nova forma de vida, onde os indivíduos são incluídos, com características diferentes de espaço e tempo, em relação à midia linear. Não pode esquecer: a nova vida apontada por Sodré está diretamente ligada à intervenções na dimensão espaço-tempo (como no conceito pós-modernista). Uma nova configuração social a partir da bios virtual, uma realidade não-conflitante com a real-histórico, o real tradicional.
O espelho midiático não traduz-se em reflexo puro da realidade, mas há condicionantes que agem sobre esta reflexão e que esta por sua vez, agem no campo da vida social. Ou seja, o espelho também se configura como um processo de mediação na sociedade. Esta “midiatização”, com base na atual tecnologia, está inserida num campo social de “interatividade absoluta e conectividade permanente” (SODRÉ, 2006, p.24). A midiatização é o quarto bios, além dos três exemplificados por Aristóteles, uma “tecnologia de sociabilidade”, uma nova forma de vida, intensamente tecnológica. E não esquecer: com influências diretas de relação tempo e espaço.
O princípio de midiatização de Sodré se alinha ao pensamento de Fausto Neto, que observou o processo de evolução da sociedade dos meios para a sociedade midiatizada. E para o autor este é o resultado que provocou alterações nas composições sociais e nas interações, por fatores tecnológicos (que remetem à linha tecnodeterminante proposta por Bernard Miège). Fausto Neto oferece no texto “Fragmentos de uma analítica da midiatização”, conceitos que servem para esclarecer o que ele chama de “fenômeno” da midiatização: Sodré considera um novo bios – o bios midiático. Gomes estabelece uma “nova ambiência” também assinalada por Sodré. Braga é citado acerca da “processualidade interacional de referência”, o sistema de resposta, e Verón trata das “complexas interações entre mídias, instituições e indivíduos, resultando em processos de afetações não-lineares”.

O ponto inicial do texto de Fausto Neto é seguido por exemplificações da “analítica da midiatização”, considerando sempre dispositivos tecno-discursivos inseridos na cultura midiática. Como por exemplo, as “transformações da “topografia jornalística” como espaço organizador do contato”, com exposições dos atores do processo produtivo e de fases das rotinas do jornal; a “auto-referencialidade do processo produtivo, na intenção das organizações de produzir um discurso auto-referencial; a “auto-reflexividade posta em ato”; e por fim, as “estratégias de protagonização do leitor”, utilizando os receptores como co-operadores da enunciação e do trabalho
José Luiz Braga, em “Sobre Mediatização como processo interacional de referência” aponta que o conceito pode se relacionado tanto no âmbito da midiatização dos processos sociais seguindo lógicas da mídia, quanto da midiatização da própria sociedade. É seguindo a primeira que observo espaço para estudar o processo de “midiatização” nas empresas jornalísticas, que provocou transformações na produção e no uso dos infográficos em jornais latinoamericanos. A midiatização neste processo também se deve a fatores técnicos, uso de novas tecnológias na produção e necessidade de leitores de utilizar de tecnologias de comunicação para ter acesso ao conteúdo destes infográficos.
O estudo obedeceria a parâmetros de evolução da infografia interativa nos jornais latinoamericanos tanto sob aspectos de mudanças de produção nas empresas quanto na inclusão de elementos multimidiáticos neste instrumento.
Ao deixar as midiatizações e seguir para as mediações, é importante aplicar a visão de Martin-Barbero. Ao me aprofundar um pouco mais sobre os seus estudos e o seu maior referencial teóríco-epistemológico acerca do deslocamento de uma análise metodológica comunicacional não a partir dos meios, mas das mediações, notei maior clareza quando o próprio Barbero deixa evidente em seu livro: “A comunicação se tornou para nós questão de mediações mais do que meios, questão de cultura e, portanto, não só de conhecimentos mas de re-conhecimento” (2003, p.16). E torna-se mais compreensível este processo de descentralização ao observar o conceito de cultura abordado pelo autor.
O deslocamento proposto é o diferencial dos estudos apresentados por Martin-Barbero na comunicação latinoamericana. E tais estudos culturais, cujo deslocamento sinaliza para o campo das recepções tem influenciado outros autores (não apenas na América Latina), mas também em outros continentes. Signates, no entanto, mostra que a principal obra de Barbero, “Dos Meios às Mediações”, não define claramente o conceito de mediações. Mesmo caminhando por outros autores como Raymond Williams e Orozco Gomes, Signates conclui que “permanece a dúvida inicial sobre o grau de precisão teórica e de aplicabilidade empírica ao conceito de mediação” (2006, p.75).


REFERÊNCIAS
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América latina e os anos recentes: o estudo da recepção em comunicação social. In:SOUSA, Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: USP Brasiliense, 1995, p. 39-68.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios as mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Traduzido por Ronald Polito; Sérgio Alcides. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003
SIGNATES, Luiz. Estudo sobre o conceito de mediação e sua validade como categoria de análise para os estudos de comunicação. IN: SOUSA, Mauro W. Recepção mediática e espaço público. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 55-79.
SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. IN: MORAES, Denis (org.). Sociedade Midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, p. 19-49.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho. Uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Vozes, 2009.
FAUSTO NETO, Antonio. “Fragmentos de uma ‘analítica’ da midiatização”, In: Matrizes, São Paulo, Vol 1, No 2, pp. 89-105, 2007.
BRAGA, José Luiz . Sobre mediatização como processo interacional de referência. In: 15º Encontro Anual da Compós, 2006, Bauru/SP. Anais. XV Encontro Anual da Compós – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2006. v. 1. p. 1-16.

domingo, 15 de maio de 2011

PERSPECTIVAS CULTURAIS DOS PROCESSOS MIDIÁTICOS

Dois momentos precisam ser considerados quando do surgimento dos chamados Estudos Culturais, espécie de subdisciplina acadêmica originada na Inglaterra. O primeiro momento nasce com as obras de Richard Hoggart, “The Uses of Literacy” e Raymond Williams, “Culture and Society 1780-1950”, ambas lançadas em meados do século passado e que observam o comportamento social sobre questões culturais na sociedade de massa (Hoggart) e mudanças na vida social, política e econômica (Williams). O segundo é ligado ao trabalho de E. P. Thompson, “A Formação da Classe Operária Inglesa” que, embora tenha uma afinidade com a linha marxista quanto a aspectos de trabalho e de economia, observa o âmbito cultural e sociológico. Estes três trabalhos, como aponta Stuart Hall (foto), “constituíram a cesura da qual - entre outras coisas - emergiram os Estudos Culturais” (2003, p.133).
Hall distingue este momento como sendo de ruptura e considera que as obras, mesmo abrindo o caminho para os Estudos Culturais, não foram concebidas com a finalidade de estabelecer uma nova fronteira epistemológica. A intenção baseava-se em oferecer uma reflexão sobre a sociedade da época, por esta razão, a cultura começou a ser proposta a partir de alterações sociais com ênfase na indústria, nas relações de trabalho, na política e também nas artes. Nota-se que tais estudos seminais acerca da cultura sinalizam para um conceito amplo, que como Hall esclarece, “relaciona à soma das descrições disponíveis pelas quais as sociedades dão sentido e refletem às suas experiências comuns”. (2003, p.135).
O texto de Hall apresenta uma evolução dos Estudos Culturais britânicos desde o aparecimento de uma corrente denominada de culturalistas (que observa as manifestações distintas e ao mesmo tempo generalizadas da sociedade, num processo que cria as “convenções e instituições”) e de estruturalistas (que estabeleceu uma interrelação da cultura em sintonia com o conceito de base, estrutura e superestrutura de Marx). Ao deter-se neste pensamento estruturalista da cultura, é possível notar a influência econômica e de outras variantes sociais, inclusive a ideologia, na formação desta cultura. Hall mostra que “as intervenções estruturalistas foram amplamente articuladas em torno desse conceito: em concordância com sua linhagem mais impecavelmente marxista, “cultura” não figura aí tão proeminentemente” (2003, p. 144).
A linhagem estruturalista, sustentada em Marx, carrega também o espírito do determinismo, deixando de lado as alterações sociais por enquadrar a sociedade em um molde estanque, absorvido pelo econômico e pelo ideológico, que contraria o pensamento culturalista. Não se pode negar que os culturalistas também consideravam as questões ideológicas na cultura, mas “ele de fato não se situa no centro de seu universo conceitual” (2003, p. 152).
Os Estudos Culturais avançaram e arregimentaram pesquisadores em outros continentes. No Brasil desembarcaram a partir de três momentos. O primeiro deles foi a tradução para o português a obra “Cultura e Sociedade” de Raymond Willians em 1970. O segundo, o lançamento do livro “Dos Meios às Mediações” de Jesús Martín-Barbero e a difusão das ideias de outros autores como Néstor García Canclini. Outros nomes emergem na atualidade para os Estudos Culturais Criticos, como o americano Douglas Kellner.














Um nome especial no Brasil precisa ser mencionado, o do pesquisador Renato Ortiz (foto acima), considerado um dos maiores expoentes nos Estudos Culturais, embora ele mesmo tenha se surpreendido com tal status. Ortiz detalha que a entrada destes estudos no Brasil aconteceu “pelas bordas” e que a comunicação não era mencionada nestes estudos, mesmo valorizando a multidisciplinaridade a partir da sociologia, antropologia e literatura. O autor critica a “universalidade” dos Estudos Culturais, ao dizer que “são fruto de uma conjuntura específica, sobretudo norte-americana, e dificilmente poderiam reproduzir-se no Brasil e na América Latina da mesma maneira” (2004, p. 126).
Sob um outro viés, não desconsiderando o volume da produção social que estabelece a cultura, Baitello esclarece sua visão sobre a cultura como um universo simbólico que se harmoniza em três instâncias (nível biológico, nível de interações sociais e o nível dos códigos culturais, que se intercomunicam) e a importância da Semiótica da Cultura para dar conta de interpretar a relação entre estes três “códigos” (também são denominados desta forma), “levando em conta a existência de códigos anteriores aos da própria cultura” (1999, p. 41).
A infografia pode ser um elemento importante se colocado diante da Semiótica da Cultura, porque poderia considerar aspectos de uma sociedade – condicionada a interpretar os códigos que compõem os infográficos – e compreender o contexto para que este instrumento fosse inserido nesta sociedade. Como trata-se de uma prática do jornalismo na América Latina, especialmente no Brasil, entende-se que partiu da cultura. Baitello mostra que elementos culturais se “constroi no diálogo, na operação interativa entre seus componentes subtextuais, no diálogo entre os signos e dos signos com seu próprio percurso histórico” (1999, p.42). Em si, a Semiótica da Cultura pode revelar caminhos para entender como o desenho, as imagens e as representações de linguagem que compõem a infografia foram inseridas no jornalismo.

REFERÊNCIAS
HALL, Stuart. Estudos culturais: dois paradigmas. In: ____. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p. 131-159.
ORTIZ, Renato. Estudos culturais. Tempo soc. [online]. 2004, vol.16, n.1, pp. 119-127. ISSN 0103-2070. doi: 10.1590/S0103-20702004000100007.
BAITELLO JR., Norval. II. Cultura como sistema semiótico; III. O conceito do texto da cultura. In: ____. O animal que parou os relógicos. São Paulo: Annablume, 1999, p. 23-42.