domingo, 12 de junho de 2011

PARA UMA ECOLOGIA DA MÍDIA: redes sociotécnicas, tecnointerações, convergências, remediação, midiamorfose, transmídia

O exemplo que Marshall McLuhan oferece sobre a luz elétrica para explicar a expressão “o meio é a mensagem” é sobremodo oportuno: “Pouca diferença faz que seja usada uma intervenção cirúrgica no cérebro ou para uma partida noturna de beisebol. Poderia objetar-se que essas atividades, de certa maneira, constituem o “conteúdo” da luz elétrica, uma vez que não poderiam existir sem ela” (2000, p. 22). A luz elétrica é um meio, seu reflexo também pode enquadrar-se como meio e este é a mensagem. Aspectos simbólicos devem ser considerados na configuração desta mensagem e também do meio, visto que sua diversidade não é percebida por muitos. O autor mostra casos como a IBM que notou que, além de uma indústria de máquinas e equipamentos para escritório, poderia ser uma corporação de processamento de informação.

Ou seja, a ótica de McLuhan leva a reconfigurar as noções de meio e de mensagem. A título de exemplo, emerge a situação pela qual passa os jornais impressos, seu processo de encolhimento ou de “recuo”, como assinalado por Carlos Alberto Scolari (foto). Empresas buscam saída para a manutenção deste suporte, para a sobrevivência do modelo de papel, não considerando que o meio-mensagem é o jornalismo e este é o meio de comunicação, como assinala McLuhan. Se o suporte é o meio e se o seu conteúdo também é o meio, trata-se de uma concepção “total instantânea”, que pode bem adaptar-se ao exemplo da infografia interativa – como meio de comunicação posto em plataforma web.

São apenas colocações práticas para apontar a reflexão de McLuhan sobre o meio e a mensagem. No entanto, ele faz desdobramentos sobre as causas na sociedade, na formação cultural de nações (inclusive, observa que o meio sempre está associado às matrizes culturais) e estabelece um comparativo da tecnologia elétrica com a “tecnologia de Gutenberg”, sinalizando para perigos e ameaças. “Estou na mesma posição de Pasteur ao dizer aos doutores que seu maior inimigo era perfeitamente invisível - e, perfeitamente irreconhecível por eles” (p.33). McLuhan faz analogia do conteúdo de um meio à uma bola de carne que o assaltante joga para o cão da mente, na intenção de dispersá-lo, reafirmando o poderio deste conteúdo, que é a “mensagem”.

“Estruturas de percepção” é um conceito assinalado no texto de McLuhan, “O Meio é a Mensagem”, para demonstrar que os efeitos da tecnologia é sobremaneira impactante, que não oferece aos seus envolvidos qualquer resistência. Como o Japão aderiu ao sistema monetário no século XVII, a tipografia, a imprensa envolveu-se na sociedade ocidental de tal forma que transformou-se em extensões incondicionalmente necessárias para os indivíduos. “Essa mudança (seja pelo monetário ou pela tipografia) não depende de aprovação ou desaprovação dos membros constituídos da sociedade”, aponta o autor (p.34). Os meios de comunicação estabeleceram em seus usuários uma situação de prisioneiros de prisões sem muros.

Os meios, inseridos na sociedade como extensões dela, se ampliam num sistema mencionado por alguns autores de “ecológico”. Trata-se de um conceito análogo ao processo biológico, ofertando condições de compreender o estado dinâmico da mídia. Um destes autores é Carlos Alberto Scolari que, ao explanar sobre o conceito, alertou que trata-se de uma metáfora elaborada por McLuhan e Neil Postman no final dos anos 60 e descrita sob duas duas vertentes: “os meios como um “medium”, um ambiente ou entorno natural de onde os seres humanos movem e vivem sem perceber a sua existência” e “os meios como espécies que vivem dentro de um ecossistema” (p. 3-4). Scolari acredita que esta metáfora pode oferecer muitas reflexões sobre os meios.

Uma destas reflexões pode partir do modelo de jornalismo impresso, uma espécie da ecologia midiática, que enfrenta pressões e ameaças da mídia digital que obriga a sua transformação, adaptação ou sua extinção. O modelo de infográficos aplicados neste suporte, neste meio que intenta adaptar-se no ambiente web (ou estaria sofrendo processo de canibalismo por espécies predadoras?) estaria se deslocando para uma outra espécie desta ecologia ou transformando-se? Scolari atenta para o aspecto dinâmico destas mudanças, a partir do cenário de midiatização das cidades, da conectividade constante, o conceito de “tecno-urbano” em que as cidades buscam oferecer praças e locais com internet aberta, e o princípio da convergência (a interrelação das mídias).

A ecologia midiática expõe um momento de transformação permanente com o incremento de novos meios e tecnologias, transformação que gera convergência, experiências e fenômenos que vão além de um único meio, mantendo relações com outros, o que especificamente isso para Scolari é conceituado de “dinâmicas transmidiáticas”.

Um exemplo deste processo é mostrado por Yvana Fechine (foto ao lado) ao fazer uma relação da interatividade e a TV digital. “Os reality shows, como o Big Brother, podem ser considerados os primeiros formatos bem sucedidos de convergência midiática, podendo ser apresentados simultaneamente na TV aberta, 24 por dia em canais por assinatura e na internet” (CASTRO apud FECHINE, 2009, p.154). Fechine apontou este caso diante das várias discussões sobre como a TV digital implementará interatividade com receptores sem perder sua vocação do “ver junto” e de elementos do “tempo público” (citado por Dominique Wolton), que não se encontram na internet.

O procedimento da internet, segundo Fechine, baseia na individualidade (na “solidão interativa”) e no agenciamento, conceito de Janet Murray que significa o “usuário realizar ações significativas e ver os resultados de suas decisões e escolhas sobre um objeto que é alterado dinamicamente de acordo com sua participação” (2003, p. 127-128, apud FECHINE, 2009, p.152). Em angulação com o infográfico interativo, tal conceito descreve basicamente todo o processo de sua natureza, que oferece condições para o produtor (infografista) estabelecer “estratégias de roteirização”, ou seja, rotas prévias a serem percorridas pelo usuário. Fechine demonstra que este usuário é um “interator” que age explorando este ambiente em busca de respostas diante de suas intervenções. “Se os textos surgem no próprio ato de navegação, a partir de decisões pessoais, cada interator produz e frui a “sua história”, abrindo mão de um conteúdo compartilhado e privilegiando a escala individual da comunicação” (p.152).

REFERÊNCIAS

McLUHAN, Marshall. O meio é a mensagem. In: ____. Os meios de comunicação como extensões do homem. 10 ed. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 21-37.

SCOLARI, Carlos A. Hipermediaciones (o cómo estudiar la comunicación sin quedar embobados frente a la última tecnología de California) - Entrevista a Damián Fraticelli. Revista Lis - Letra Imagen Sonido - Ciudad mediatizada. Año III # 5. mar-Jun. 2010. Bs. as. uBaCyt. Cs. de La ComuniCaCión. FCs/uBa, p. 3-11.

FECHINE, Yvana. A programação da TV no cenário de digitalização dos meios: configurações que emergem dos Reality Shows. In: FREIRE FILHO, João (org.). A TV em transição. Porto Alegre: Sulina, 2009, p. 139-170.

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