domingo, 19 de junho de 2011

PARA UMA ECOLOGIA DA MÍDIA 2: Materialidades da comunicação e Teoria do Ator-Rede




A sociedade e a natureza necessitam ser observadas sob o princípio de uma simetria generalizada, que não vislumbra grandes divisões, que torna híbrida a presença de humanos e não-humanos, um processo apontado por André Lemos (foto acima) como “não simplificada ou dicotômica das relações sociais” (2010. p.4). Trata-se do princípio de Bruno Latour e Michel Callon denominado de Teoria do Ator-Rede, termo que o próprio Latour não concorda, por não abarcar as complexidades inerentes ao seu pensamento. Esta teoria consiste na derrubada de separações historicamente construídas em circunstâncias até mesmo científicas que estabeleceram dois mundos: o das coisas e o dos homens, sendo necessária uma explicação que integrasse a ambos, e uma investigação capaz de conceder importância equivalente, “estudando-os ao mesmo tempo” (FREIRE, 2003, p.49).

Sendo considerada ora uma metodologia, ora uma teoria, a Teoria do Ator-Rede reestrutura formas de pesquisas e de observar objetos, ações e sujeitos dentro de um “território informacional”, assinalado por Lemos, contribuindo para a “abolição do pensamento dualístico” observado até então nos estudos sociológicos. A teoria incorpora a interação de humanos e não-humanos tornando estes últimos mais que meras extensões do homem. Law, citado por Freire, enuncia que “quase todas as nossas interações com outras pessoas são mediadas através de objetos, como telefone, internet e carta” (p.49) e, que assim sendo, mostra que o aspecto do social é delineado por uma “rede heterogênea, constituída não apenas de humanos, mas também de não-humanos, de modo que ambos devem ser igualmente considerados”.

Latour (foto ao lado) recomenda que o exercício desta teoria está diretamente imbricada com o seu conceito de tradução, dispositivo necessário para tornar simétrica a interpretação dos atores. Tradução tem o sentido linguístico de transpor de um idioma para outro, o que para Latour segue o mesmo princípio, mas sob a ótica geométrica, de transpor de um lugar para outro. “Significa oferecer novas interpretações desses interesses e canalizar as pessoas para direções diferentes”, explica. Conclui-se que a base da construção de uma “antropologia das ciências”, de uma “sociologia das associações” em confronto com a “sociologia do social”, vai de encontro com uma separação das coisas do mundo ou da prevalência do homem sobre as coisas.

Na Teoria do Ator-Rede, Latour prefere a expressão “actante” a “ator”, visto que ator se limita a humanos enquanto o outro amplia para os não-humanos. Do mesmo modo, é ampliada a noção de rede, saindo da lógica de conexões, interligações de pontos distintos e separados, estabelecendo uma analogia ao rizoma (de crescimento múltiplo e horizontal), “uma totalidade aberta capaz de crescer em todos os lados e direções, sendo seu único elemento constitutivo o nó” (MORAES, 2000, apud FREIRE, p.56). Rede não significa conexões, mas vínculos, canal de fluxos, actantes em constante relação. Por esta razão que Latour também critica o hífen na expressão “ator-rede”, porque parece já instituir uma nova divisão, aniquilando o processo substancial da rede. Outros nomes foram pensados por Latour para esta teoria: “sociologia da tradução”, “ontologia do actante-rizoma” e “sociologia da inovação”.

O teórico propõe apontar que a “sociologia do social não é mais capaz de delinear as novas associações de atores” (2006. p.11) e que a Teoria Ator-Rede (ou ANT, em inglês) teria a capacidade de construir este reagrupamento de matrizes sociais. “É preciso seguir os próprios atores, quer dizer, tentar lidar com suas inovações muitas vezes indomáveis, de modo a aprender com eles o que a existência coletiva se tornou nas suas mãos, que métodos é que elaboraram para a ajustar, e quais são os relatos que melhor definem as novas associações que foram obrigados a estabelecer” (2006, p. 11).

O pensamento de Latour, ao tensionar com a infografia interativa, levanta alguns questionamentos sobre a interrelação do objeto de pesquisa com atores não-humanos. Sobretudo quanto a alterações sociais provocadas com a mediação deste instrumento e dos dispositivos técnicos inseridos neste “território informacional”. É possível estabelecer relação à experiência de Lemos com as mídias locativas, considerando que a infografia representa forma simbólica disponível numa infra-estrutura técnica, ou seja, “as materialidades do processo e os atores-rede em modos de mediação”. Hanke mostra que “falar em “materialidades da comunicação” significa ter em mente que todo ato de comunicação exige a presença de um suporte material para efetivar-se” (2005, p. 6).

A relação dos dispositivos técnicos e a sociedade remete ao pensamento de Bernard Miège. As TIC (Tecnologias digitais de Informação e Comunicação) reforçam este aspecto social, de produção, consumo e interrelacionamento entre os indivíduos. Com o incremento das TIC, a própria designação da sociedade da informação ficou mais ampla, abarcando características da modernidade. E para compreender a visão de Miège sobre esta nova sociedade no campo da comunicação, é preciso considerar: a informacionalização; a promoção das tecnologias e das redes como fator dominante ao conteúdo; a modificação e a expansão dos sistemas midiáticos; e o controle transnacional do fluxo de informação e comunicação.

O autor mostra que a comunicação moderna não engloba apenas a comunicação pessoal, mas observa o que ele conceituou como “comunicação/informação” (uma das propostas para posicionar a técnica), a partir da observação de uma sociedade midiatizada iniciada em meados do século passado. O conceito de comunicação/informação está associado a uma articulação entre os dois, que supera a visão ideológica ou de manipulação da comunicação, mas vê também que a informação é meio de interação entre os atores sociais. As TIC reforçam esta relação, impregnando-se na sociedade (tecnodeterminismo) e nas redefinições (a formação do self media, por exemplo, p. 48). É o que Miége trata de "dupla mediação", em que a mediação é ao mesmo tempo técnica e, ao mesmo tempo, social, sendo esta uma de suas propostas para posicionar a técnica, além da “temporalidade” e “a questão da inovação” que observa a contribuição das TIC tanto na construção do social, quanto a ruptura e as mudanças de paradigmas. (2009 p. 58).

REFERÊNCIAS

LEMOS, André. Você está aqui! Mídia locativa e teorias “Materialidades da Comunicação e “Ator-Rede”. GT “Comunicação e Sociabilidade”, XIX Encontro da Compós, Rio de Janeiro: UFRJ, junho de 2010. 17 páginas.

FREIRE, Letícia de Luna. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum - Rio de Janeiro - v.11 - nº 26 - p. 46 a 65 - janeiro / junho 2006.

LATOUR, Bruno. Como prosseguir a tarefa de delinear associações?. Configurações, nº 2, 2006, pp. 11-27 .

MIÈGE, Bernard. Quatro propostas para posicionar a técnica. In: ____. A sociedade tecida pela comunicação. São Paulo: Paulus, 2009, p. 45-62.

HANKE, Michael Manfred. Materialidade da Comunicação – Um conceito para a ciência da comunicação? In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 28. 2005. Rio de Janeiro. Anais... São Paulo: Intercom, 2005. Disponível em http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R0680-1.pdf. Acessado em 12 de junho de 2011.

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